sexta-feira, 18 de março de 2011

Pensa, que pensa


Era de tanto pensar que Maria perdia o amor. Pensou primeiro que não queria amar ninguém. Pensou depois que ele era velho demais. Só que um beijo, tudo bem. O beijo poderia ser melhor, não pode deixar de observar. Depois percebeu que ele guardou a carícia melhor mais pro final. Na noite seguinte pensou que vê-lo de novo seria o máximo.

Mas pensou de novo que ele era muito velho. E que vestia umas calças jeans de vaqueiro que só por Deus. E que ele era diplomata. Antes achava que diplomata era um carro, seu pai tinha tido um. Não sabia que tinha gente diplomata. Explicava o terno bege, como o carro. Quem usa terno bege? Diplomatas.

Isso foi na semana passada, já devia estar pensando em outra coisa. Vai ver era uma louca obcecada. Ela mesma reconhecia que sempre demorava pra esquecer. Primeiro foi André: quatro meses e dez dias juntos, para 18 meses de reflexões antes da próxima rodada, com 311 turnos. Parou de pensar porque cansou.

No Mauro não pensou muito. Mas no Rogério pensou bastante. Em se livrar, depois em deixar rolar, namorar. Muito, muito mesmo, pensou quando romperam. Até gritar. Ou melhor, ele gritar. Pensamentos são energia, energia emite raios, raios queimam a gente. Queimadura dói e a gente grita. Pensaram mais devagar, por precaução. Voltaram. Até que pensou muito, em casar. Quis parar de pensar na mesma hora. Mas não parou. Só não pensava junto.

Pensou em uma ou outra pessoa naquele tempo. Mente vazia é o laboratório do diabo, haviam lhe dito. Era o contrário. Pensar demais.

Na cabeça de Maria não fazia silêncio. E não tinha pai, mãe, nem ninguém da polícia ou da prefeitura pra apelar. Pensava que não sabia inglês e que ele sabia também espanhol, alemão e chinês. Não tinha carro, também nem ele que vivia com chofer. Ele, estrangeiro, ela, sem passaporte. Seria madrasta de dois meninos dez e doze anos mais velhos que ela, com sotaque e malcriados.

Só daria certo se ela não pensasse tanto. Se a boca dele fizesse nela um imenso clarão. Desses que emudecem tudo ao redor. Em português, ela explicou à Bia: “Sabe, eles podiam chegar, me dar aquele arrocha e dizer ‘Cala a boca e me beija’. Não pode ser tão difícil”.

2 comentários:

  1. Não pode ser tão difícil...
    Realmente vc torna fácil pensar sobre incompatibilidades.

    Beijos

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  2. Oi, Rei! Sério? A mulherada vai gostar de saber, rsrs Acho que vc deveria espalhar essa ideia entre os mocinhos. Brincadeira :P
    E, obrigada! É bom saber que alguém aprecia o nosso jeito de contar uma história.

    Beijos

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