sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A gaveta cheia


Tem coisas que a gente tenta evitar a vida inteira e encontra soluções temporárias, mas chega um momento em que a decisão se impõe. Era hora de Alberto morrer, Cristiane percebeu.

Porque ele era homem. Muito homem. Daqueles que mulher não resiste. E não só ela, esposa: todas. Começava com um sorrisinho, uns tapinhas nos ombros, um convite para uma cervejinha e lá estavam elas abrindo os dentes e as pernas. 

Sua política era, primeiro, avisar. Claro, uma ou outra temia a Deus e tomava de novo o rumo do culto de fundo de quintal quando o nome do santo pastor era invocado, mas a maioria não. A maioria delas não estava nem aí pra nada que não fosse o Alberto. 

A mais antiga na lembrança era uma prima, Fabíola, que se ofereceu para cuidar do bebê enquanto Cristiane ia pro supletivo à noite. Num dia de aula vaga, ou prova – não se lembra bem – saiu mais cedo e acabou notando os dois de risadas e bitoquinhas no sofá. Comentou com ela, como quem fala do tempo, sobre o caso da finada Patrícia, que havia sido cortada com cacos de vidro pelo marido até a morte porque andava de fricote com o Feliciano da feira.

Sutileza não é o forte de biscate. Mas isso, Cristiane percebeu à noite quando viu que os dois tinham se permitido logo explorar cômodos mais íntimos, confiantes de que aula vaga  todo dia não acontecia em supletivo.

Entrou pelos fundos na casa do pai e foi ao quarto de ferramentas, pegou uma foice de cortar cana e escondeu numa rua escura, por onde Fabíola teria que passar. Chegou em casa e tocou a campainha, disse que tinha perdido a chave. O marido apareceu, meio afobado, justificou a demora em abrir o portão por estar no banheiro enquanto a outra trocava as fraldas do bebê.

O corpo foi encontrado semanais depois, por abutres e cachorros, no meio de uma horta abandonada.

Já tinham sido tantas que quase perdia as contas. De cada desaforada guardava uma lembrancinha: um brinco, um colar...  Até usava alguns, mas Alberto não notava. A gaveta da cômoda, que tinha lascas soltas por todo lado, já estava cheia, logo não caberia nem mais um pingente.  É, ele tinha que morrer, não tinha outro jeito – Cristiane sabia.

A dúvida era como: veneno, facão, encomenda... Tinha experiência em tudo quanto era jeito. Certeza apenas é de que iria transmitir tudo ao vivo, pela internet.

Cansou de sutileza.

3 comentários:

  1. Oi, "Por que você faz poema?"

    Adorei a visita e também o seu blog - cinema, depois da literatura, é minha arte do coração.

    Um abraço,
    Aline

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  2. Pois é...
    não preciso dizer que o texto está ótimo né?
    Mas a gnt diz mesmo assim...
    Beijos

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