sexta-feira, 25 de março de 2011

Confissão

A terapeuta diz que minha implicância é ciúme, mas tenho o tempo a meu favor: sempre detestei meninas mimimi. Menina mimimi é aquela que é toda risadinha, que é uma delicadeza só, que criança não jogava bola pra não mostrar a calcinha, fica vermelha se ouve palavrão e é incapaz de pensar por si mesma. É uma fraude. E como faz sucesso.



Chega até a me dar urticária. A última crise foi tamanha que até me submeti a um teste, desses de revista, para aferir o meu grau de feminilidade. A pontuação ia de zero a 300. Aqueles com perfil masculino deveriam marcar até 150. De 180 em diante, estavam as legítimas filhas de Eva. Soma daqui, revisa dali, meu resultado foi 155.

Veja que cento e cinqüenta e cinco não é código pra traveco. E se fosse, não creio que eu causasse maiores fenômenos.  Diz o tal do teste que a zona cinzenta entre 151 e 179 indica quem tem a mente equilibrada entre os dois tipos de raciocínio, feminino e masculino. Ainda sob os efeitos da pressão mimimi, quase aceitei um tratamento de choque: pintaria meu quarto de rosa, iria trabalhar sempre de saia e saltinho, cortaria franjinha e passaria a ler Sidney Sheldon.

A menção a Sheldon foi absolutamente técnica, como minha mente racional e quase absolutamente masculina exige. Lembro de ter visto na internet uma pesquisa que dizia que mulheres que lêem romances românticos batem de longe as que preferem outros tipos de leitura no quesito relacionamentos – a rivalidade, afinal, também consiste nisso.

Eu tentei. Fui lá na livraria e peguei um título qualquer com uma mocinha em um vestido de época na capa. A reação do meu organismo foi violenta: quase o deixei cair no chão. As páginas transbordavam – acho que só uma desintoxicação poderosa pra me livrar da má influência – de coisas como “crepúsculo”, “lágrimas que rolavam pelo rosto”, e “ela sorriu lentamente”.

Combater o mimimi é de família. Ainda criança, minha avó, pessoa da maior seriedade, interrompia a leitura do evangelho para me lembrar que “muito riso, pouco siso”. Não preciso tomar juízo graças a ela e, talvez por isso, sinto falta de autenticidade na mimimi. Tem uma frase do poeta Vladimir Maiakovski perfeita: “Amar não é aceitar tudo; aliás, onde tudo é aceito, desconfio que há falta de amor”. Gente que não peida e que não tem opinião, desculpa, mas, não tem vez comigo.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Selo de qualidade

A primeira vez a gente nunca esquece, já disse Washington Olivetto. Pois é, o “Crônicas das 12 badaladas” teve a honra de receber seu primeiro selo de qualidade do Reinaldo, da Claquete Cultural. Quase tive um treco quando vi: foi muita emoção! rsrs



O bacana é que, como membro da Academia, agora também posso nomear até 15 outros blogs para receber o prêmio. “And the Oscar goes to” (sempre quis dizer isso):


Saciada a minha ansiedade de revelar os nomeados, agora seguem as respostas do questionário que acompanha o selo:

Nome: Aline Viana da Cruz
Uma música: Times like these – Jack Johnson
Humor: depois que eu consigo ficar acordada, costuma ser bom
Uma cor: azul
Uma estação: verão
Como prefere viajar: de carro ou de ônibus. Gosto de demorar um pouco pra chegar, e poder apreciar a paisagem no caminho
Um seriado: Anos incríveis
Frase ou palavra mais dita por mim: “Relaxa, vai dar certo”.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Pensa, que pensa


Era de tanto pensar que Maria perdia o amor. Pensou primeiro que não queria amar ninguém. Pensou depois que ele era velho demais. Só que um beijo, tudo bem. O beijo poderia ser melhor, não pode deixar de observar. Depois percebeu que ele guardou a carícia melhor mais pro final. Na noite seguinte pensou que vê-lo de novo seria o máximo.

Mas pensou de novo que ele era muito velho. E que vestia umas calças jeans de vaqueiro que só por Deus. E que ele era diplomata. Antes achava que diplomata era um carro, seu pai tinha tido um. Não sabia que tinha gente diplomata. Explicava o terno bege, como o carro. Quem usa terno bege? Diplomatas.

Isso foi na semana passada, já devia estar pensando em outra coisa. Vai ver era uma louca obcecada. Ela mesma reconhecia que sempre demorava pra esquecer. Primeiro foi André: quatro meses e dez dias juntos, para 18 meses de reflexões antes da próxima rodada, com 311 turnos. Parou de pensar porque cansou.

No Mauro não pensou muito. Mas no Rogério pensou bastante. Em se livrar, depois em deixar rolar, namorar. Muito, muito mesmo, pensou quando romperam. Até gritar. Ou melhor, ele gritar. Pensamentos são energia, energia emite raios, raios queimam a gente. Queimadura dói e a gente grita. Pensaram mais devagar, por precaução. Voltaram. Até que pensou muito, em casar. Quis parar de pensar na mesma hora. Mas não parou. Só não pensava junto.

Pensou em uma ou outra pessoa naquele tempo. Mente vazia é o laboratório do diabo, haviam lhe dito. Era o contrário. Pensar demais.

Na cabeça de Maria não fazia silêncio. E não tinha pai, mãe, nem ninguém da polícia ou da prefeitura pra apelar. Pensava que não sabia inglês e que ele sabia também espanhol, alemão e chinês. Não tinha carro, também nem ele que vivia com chofer. Ele, estrangeiro, ela, sem passaporte. Seria madrasta de dois meninos dez e doze anos mais velhos que ela, com sotaque e malcriados.

Só daria certo se ela não pensasse tanto. Se a boca dele fizesse nela um imenso clarão. Desses que emudecem tudo ao redor. Em português, ela explicou à Bia: “Sabe, eles podiam chegar, me dar aquele arrocha e dizer ‘Cala a boca e me beija’. Não pode ser tão difícil”.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Aos 50


Toda mulher tem uma fase de diva. Só que diva brasileira é diferente: tem todo um glamour, mas ela se destaca mesmo é pela sinceridade. Luísa Brunet, Vera Fisher e até a caidinha Miriam Rios confessaram recentemente que estavam sem sexo há, no mínimo, dois anos e contando. Carmem só então se deu conta de quantas folhas do calendário haviam se passado desde aquela noite com André, ao mesmo tempo em que se viu parte de uma comunidade seletíssima: a das novas virgens.

Aquelas mulheres estiveram ali a sua vida toda, ou pelo menos, por toda sua vida adulta, sem nunca terem compartilhado com ela o que fosse.  Nem ideias ou cor de cabelo. E eram da mesma geração, como Shakespeare e Gil Vicente. E acabava que ali, trinta anos passados, estivessem todas com a cama vazia.

Vazia como o mercado de homens. Guris de um lado, gays de outro. Vibradores ao lado do caixa.

Da última vez com André, mal se lembrava. Recolheu suas coisas pela casa, passou o café e deixou uma nota breve – “chega”. Era um feriado prolongado qualquer. Lá fora, céu azulzinho, com sol fraco. Caminhou na praia, tomou sorvete, redecorou o apartamento.

Mudou de emprego, de corte de cabelo várias vezes, aprendeu alemão, conheceu Buenos Aires, fez drenagem linfática, passou a ir à academia. Acordava cedo, trabalhava até tarde, ia a festas de gente que não conhecia. Dormia sozinha. Nem se deu conta.

Era uma mulher santa, quase uma monja, pensou consigo mesma. Não fazia sexo, não lembrava que tinha.  Era diferente de todas as mulheres com quem convivia. Semelhante só às divas. Foi de espelhinho em punho e pose de contorcionista verificar: estava lá, do jeito que mamãe e papai haviam feito.
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