sexta-feira, 21 de maio de 2010

Educação infantil



Meus pais erraram na minha educação. Erraram feio. Nunca brigaram na minha frente. Sequer discutiram até eu ter quase 18 anos. Não pensem que a maioridade foi o que garantiu o meu acesso ao mundo da discórdia. Não. O que proporcionou esse valoroso aprendizado foi um daqueles casos de família que é melhor nem publicar. Em dois ou três meses foi dada a matéria de uma vida toda. Enfim, graças a papai e mamãe cresci sem saber o que é uma discussão normal entre homem e mulher. Normal, pra mim, era sempre o clima ameno. Confusão apenas aquelas causada pelo filho que quebrou a boneca da filha. Ou da filha que pegou o mp3 do irmão sem pedir licença. O resultado é que cresci com ojeriza de briga de homem e mulher.

Saber que os adultos brigam é inevitável, se bobear a informação brilha em néon no inconsciente coletivo dos filhos. Se não, têm-se os vizinhos para fazer esse dado circular. É o som alto de um. A má-educação do filho do outro. A fofoca de uma doninha – nome que minha mãe dava às senhoras que cujo expediente era cuidar da vida alheia no portão. Papai e mamãe pareciam que nunca tinham sido crianças.

Então, ficou meio dito pelo não dito que briga era coisa de criança e que eles nasceram grandes. Gente grande, pelo menos gente grande de bem, atravessa a rua na faixa, sempre diz por favor, não fala palavrão e não briga, nem discute, entre si.

Eu cresci, mas fiquei gente pequena. Ainda acho isso um contra-senso desagradável, embora sem remédio. Deve ser por isso que vejo tanto adulto brigando. Devem ser gente pequena disfarçada de gente grande. Vai ver usam pernas de pau sob a roupa. Isso explicaria a postura insegura daquele cara com quem tenho que ter uma conversa séria. Mas se sou gente grande, por dentro, imagino que sou superior a isso. Que não tenho nada que discutir. Já está tudo claro e certo. Ele gente grande também, ou gente pequena disfarçada – essas sempre sabem quem é gente grande – já deveria ter entendido.

Mas não entendeu. Não vai entender. E eu que não sei brigar. Como adulto. Faltou-me o exemplo e hoje também me falta bibliografia. O caso é grave. Penso até em processar meus pais.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Um Fila

O que leva alguém a dar dois laços no tênis e continuar com cadarço suficiente para pisar em cima? Pior é que os dois laços estão quase se desamarrando. Pior ainda é sair com um cara que passado dos trinta ainda não aprendeu a amarrar os cadarços. Pior é achar tudo isso super fofo, como eu.

Esse tênis é cinza escuro com detalhes cinza claro. A cor foi um rasgo de originalidade: ele tem um par preto e outro branco. No sábado, a pizza é de frango com catupiry e no domingo é daquelas congeladas, de mussarela, comida no café e no almoço em frente a algum jogo na tv.

No dia seguinte, ele acorda atrasado e ainda com as meias de dormir, com um rasgo grande no calcanhar do pé direito, calça os tênis empoeirados que passaram o final de semana jogados sob o sofá. Pacientemente ele dá um laço, depois outro para reforçar e ambos terminam assim meio despencados. Engole o Nescau, sai correndo mastigando o pão com manteiga para não perder a lotação. Mas antes, ele me lança um beijo de despedida da porta.

Podem dizer o que quiser, que ele nunca vai crescer, que nunca vai ter emprego que sustente uma família, que isso não é jeito de tratar uma mulher. Mas aquele beijo, solto no ar, seguido por aquele sorriso que ilumina seu rosto sempre sério, é toda benção que preciso nessa vida.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Gola rolê, futebol e sabão de coco


Duas mulheres discutiam, no ônibus cheio, seus fetiches. Em alto e bom som proclamavam suas preferências quanto ao tipo de vestuário ideal para o sexo oposto. A primeira era de opinião de que todos deveriam usar calça de cantor sertanejo, assim agarradinha, para valorizar o derrière. Já a outra defendia que sexy mesmo era malha de tricô com gola rolê, sem nada por baixo. E esse “sem nada por baixo” era dito assim de um jeito que dava o que querer em quem ouvia. Gola rolê, quem pensaria nisso?

“Os ombros ficam mais definidos, o peitoral parece mais amplo... E dá um ar chique, né?”, continuou a segunda. “Ah, mas uma calça assim igual a do Daniel, nem sei...” – replicou a outra. Lá no fundo, uma senhora comentou a meia voz, com aquela que ia ao seu lado, que bons mesmo eram os shorts da seleção de 82. A se ouvir a voz do povo, a Vip deveria revolucionar seu editorial de moda com as tendências outono e inverno: calças sertanejas e malhas, pensa, algo assim meio Julio Iglesias no rodeio.

Os fetiches são mesmo coisa personalíssima. Um amigo, professor de literatura, sente arrepios com palavras. Raridades como acepipe, conjuminar, lupanar... Melhor parar antes que a censura me tolha o verbo. Tolher. Melhor não provocar.

Há quem tenha fetiche por um tipo específico. Caso curioso foi o do Marco Aurélio, que tinha fetiche por empregada doméstica. Começou quando ele, mal entrado na adolescência, notou a Ritinha, que já era praticamente de casa. Não se sabe até hoje quem começou, só que depois da Ritinha veio a Maria, e depois desta a Nice, e foram tantas que pode-se dizer que estava valendo qualquer uma com cheirinho de sabão de coco.

A coisa ficaria restrita aos quartinhos e mini áreas de serviço, até que já entrado na faculdade, Marco Aurélio passou a seduzir as faxineiras da república que dividia com os amigos. Verdade que eram umas senhorinhas que nem se lembravam direito o que era mesmo o pecado. Na época ele saía com uma morena que fazia Letras, moça romântica, que resolveu aparecer de surpresa, bem no dia da faxina, para uma namoradinha antes da aula. Escândalo armado e lágrimas vertidas, agora ele pensa que bom mesmo seria despachar a morena e ficar de vez, às terças e sextas, só com a dona Cleusa.
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