quarta-feira, 20 de abril de 2011

Três é demais


Dois filhos eles queriam. Menino e menina ou dois de cada. Mas apenas dois. Foi o que disseram ao médico. Choro após choro soou na sala de cirurgia. Vozes distintas. Três. Eram os analgésicos, só podia ser, ela pensou.

Eram três bebês. Deus, eles só tinham dois nomes: Marcela e Isabella. Na verdade, quatro. Também pensaram em Marcus e Gabriel. Se viesse um de cada, olhariam bem para eles e tirariam a sorte no cara ou coroa.

Três meninas. Só podiam ficar com duas, Nina repetia para si mesma no quarto. 

Pedro soube pelo médico, logo após o parto. Só conseguiu dizer:

- Nós só queríamos, queremos, dois filhos. Qual parte você não entendeu?

O marido foi pensar no carro em como dizer à Nina que não tinha mudado de ideia, ainda queria só dois filhos. Era o que cabia no apartamento, no orçamento, na vida deles. Planejamento familiar, ele acreditava nisso.

No princípio poderiam ter sido os analgésicos, mas agora ela estava desperta. Três não eram duas. Ela pediu dois bebês ao médico que fez a inseminação. O marido poderia confirmar. A cigana havia previsto que iria encontrar um homem que gostasse de viajar, um homem confiável e fiel que seria sua rocha, com quem teria dois filhos. 

Conheceram-se na festa de ex-colegas da faculdade. A festa foi acabando, a carona dela embriagou-se tanto que só restava passar a noite ali, no frio do salão. Ela desabou no sofá exausta e pegou um café para não apagar, ele puxou conversa. Estava com um amigo na mesma situação. 

Descobriram que tinham ido aos mesmos shows, visto os mesmos filmes, adoravam suco de melancia, freqüentavam a mesma igreja, tinham vários amigos em comum. Eram quase a mesma pessoa.

Assim que recebeu autorização, Pedro subiu ao quarto para visitar Nina. Foi verem-se para saber que tomaram a mesma decisão: continuavam querendo duas crianças. A vida não é promoção, onde pelo preço de duas se leva três. Avisaram ao doutor Felipe para preparar apenas duas delas para levarem.

O médico também não quis saber de promoção. Encaminhou as três meninas ao conselho tutelar. Aos pais, disse para procurar o Procon. 

O texto foi baseado em uma notícia veiculada pelo portal iG sobre um casal que resolve colocar para adoção um de seus três bebês. Confira aqui

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Cuidado com as coisas fúteis


Inferno astral não são os outros, meu bem. É o seu céu mesmo que pode andar meio virado, e isso bem antes do mês do aniversário e, pior, várias vezes ao ano. A fase dura entre três a dez dias e é mais ou menos como uma tpm fora de época. Eu não percebi na hora, mas o primeiro sinal dos maus dias foi esquecer meu chocolatinho da calma porque não ouvi o despertador tocar e precisei sair correndo para não perder o trem das 7h, isso numa véspera do feriado. 



No site que dá as previsões – que não sei porque ainda leio, já que é sempre um tal de “não faça isso”, “não faça aquilo”, que mais parece a minha mãe do que astrologia – a orientação para o final de semana era para tomar “Cuidado com problemas de ordem fútil”. Nessa fase a pessoa meio que vira uma casquinha de ferida, implica com qualquer um por qualquer coisa.

Só que não é verdade, eu implico com o quê já implicava antes. A diferença é que tenho a impressão de que as pessoas fazem tudo de propósito para acabar com o meu humor. Se não lhe parece muito equilibrado da minha parte, tudo bem: sua opinião não é muito importante para mim neste momento.

Sábado foi o início do ciclo. Era minha primeira folga no hospital em dois meses. Sou enfermeira e posso garantir que não tem nenhum sex appeal nisso. Quem quer isso da vida, dê um F5 e vá ser bbb. Mulher fruta. Paniquete, sei lá. Sexo em hospital só rola na cabeça de adolescentes e de velhinhos já chegando no Alzheimer.

Não vou me alongar em divagações. Sábado, a faxineira faltou. Motivo: precisava ensaiar para um concurso de forró. Iria representar o pessoal do bairro, da igreja, sei lá. Não, não podia indicar ninguém, mas viria normalmente na semana que vem. A casa de pernas pro ar. O telefone toca, ainda são 8h30 da manhã. É a minha sogra avisando que vem pra cá. Seu Denis, de cama há meses, está de caso com a enfermeira da noite. Ela vai trazer as malas.

O filho dela não sabe o quê fazer, mas se arruma rapidinho para não perder o futebol com a turma da firma. Não tem cama para ela dormir aqui. As pessoas deveriam encarar isso como um sinal, mas não. E lá vou eu comprar uma cama que não poderei enfiar em lugar nenhum.

Domingo. Ela já está aqui há 16h. Reclamou que o táxi do aeroporto não tinha ar condicionado. Que a vizinhança era feia. E que as bebidas alcoólicas da geladeira pareciam chá. Deveria ter explicado que era para, quando bêbada, não correr o risco de atirar alguma visita simpática pela janela.

A cama nova só será entregue amanhã. O filhinho lhe ofereceu a nossa cama. Eu fiquei com o sofá. Ele tentou se ajeitar com umas cadeiras, ainda pôs umas almofadas. Não deu certo e acabou indo dormir no carro.  Achei foi pouco.

Choveu o dia todo. Poderia esquecer do delivery porque motoboy não é anfíbio. A tv a cabo ficou fora do ar. Fomos ao cinema porque a janela começou a ficar convidativa demais. Mais de meia hora pra achar vaga no estacionamento. Os filmes todos já tinham começado. O jeito foi assistir à transmissão de uma ópera. A sogra aprovou. Eu e o Ricardinho ansiando por uma janela.

Mamãe liga à noite. Meu primo Maurício quer largar a mulher e voltar pra casa da vovó. Por isso havia tantas ligações perdidas da Sandrinha no meu celular. Tive que concordar com o padre da televisão: “as novelas estão acabando com a família”. Não vou retornar as ligações: seria muito chato eu dizer que o primo está coberto de razão. A Sandrinha é um encosto, todo mundo sabe. Ainda correria o risco de ele vir chorar no meu ombro. Soltei a tomada do telefone fixo. Eles que se explodam pra lá, na minha folga.

Segunda-feira, último dia de feriadão. O gerente da loja da cama liga e diz que não faz entrega aos feriados. Mas vender ele pode, o danadinho. Mandei a sogra ir lá comprar um guarda-roupa. Agora ele vai ver o que é promoção.

O Ricardinho escorregou no futebol e torceu o pé. Mandou o Beto vir do campinho me chamar. Ele entrou todo cheio de lama apartamento adentro. O cara arfava como se correr 200m fosse alguma São Silvestre. Não consegui entender nada. Apenas chorar. Aquelas pegadas enormes, meu tapete branco, a sogra, a cama, o guarda-roupa, a chuva que continuava, minha folga.

Entreguei um gelol pro Beto. E dinheiro pro táxi. Que fosse para o hospital ou para qualquer outro lugar, tanto fazia. Coisas fúteis? Não, pessoas fúteis, por todo lado. Vontade de ir buscar lá no Jardim Ângela aquela faxineira biscate pra dar um jeito nisso aqui, mandar a sogra para um albergue pra ela reclamar, agora com razão, que sentiu até os paus da cama sob o colchão, vontade de ir para o hospital.

Neste final de semana o plantão é do doutor Marcos. Podia usar aquela lingerie branca nova. A vendedora fez questão de dizer que era importada. Liguei pra Marcinha que topou trocar a folga, agora quem vai ser fútil sou eu.
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