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quarta-feira, 19 de junho de 2013

Flora

Imagem: Green Legs - http://www.flickr.com/photos/nikoneric/

As pernas da mulher de calça laranja e sapatos roxos eram troncudas e verdes. Via-se pelos tornozelos. Ela subia os degraus de dois em dois. Corria. Livre. Não tinha mais raízes.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O meu nome é próprio

Então, republico aqui crônica minha que saiu no Vida a Sete Chaves. Vamos iniciar uma fase "Vale a pena ver de novo" aqui no Crônicas das 12. Em breve textos novos por aqui também.

A minha sala de aula tinha pares de “Danielas”, “Julianas”, e “Priscilas”, uma “Aparecida” e outra “Daniela Aparecida”. Em todas as turmas do antigo quinto ano só tinha uma “Aline”. “Aline Viana”, então, era único na escola. Exclusivo. Só sentia falta de um apelido, coisa que as outras tinham. Anos depois, com a internet, meu nome tornou-se cobiçado no mercado.

Daí fiz colégio, faculdade, abri contas de e-mail. Alguma “Aline Viana” do mundo conseguiu o privilégio de registrar-se antes de mim no Hotmail e no Gmail. Bati pé e inscrevi-me sem adotar como codinome algum numeral ou apelido. Ficou algo simples e elegante o bastante para divulgar nos milhões de currículos que enviei ao longo da vida.

Mas agora as sombras têm reivindicado o que é meu. Nome, e-mail, memórias e sanidade mental. E é um nome perfeitamente quitado, segundo minha mãe.

Elas criam um e-mail bem parecido com o meu. Daí distribuem por aí para quem não interessa, talvez. Como quem troca um número na seqüência do telefone para despistar alguém. Ou tentam me ganhar pelo cansaço.

Nessas já tive família em Recife. Meu pai virtual me recomendava cursos de língua, meus tios enviavam piadas. Apagava tudo sem ler. Imaginei que fossem notar que a outra nunca respondia e checassem. Até que minha mãe de Pernambuco me cobrou nos termos mais enfáticos por não visitar o tio Alfredo no hospital. Com foto do paciente e tudo. Mamãe, preciso fazer uma revelação: a cegonha trocou os e-mails.

Outro dia, foi um suposto irmão, com nome de desembargador, que me procurou, querendo saber da recuperação do braço quebrado. Respondi à genntileza: “irmãozinho querido, somos parentes não. Procure aí o e-mail da maninha e sucesso”. O brother, em sublime juridiquês, me chamou de ursupadora, queria saber quando abri minha conta. Ora, faça-me o favor, além de desinformado ainda vem me perguntar a minha idade! Eu vi primeiro e não tenho que contar nada. Abri, é minha e não dou, não empresto e nem vendo, tá me entendendo?

O último foi um hermano que diz ter me conhecido por essas veias abertas do continente. Pedia o contato de um professor uruguaio porque queria precisava encontrar algumas maria-joanas e contava que tinha me trazido alguns alfajors lá da capital. Apesar da dor no coração, pelos doces que amo, fui honesta. Não te conheço, amigo. Não tive professor uruguaio. Podia ao menos mandar o alfajor, o ingrato.

Pra não dizer dos vírus. Que enviados em meu nome, por alguma retardatária com menos espírito esportivo, o sujou em algumas praças. Pois é, em algum lugar, tem uma Aline Viana terrorista. Que queima o próprio nome. Essa deveria arder no mármore do inferno.

Nem assim coloco o nome à disposição. Não que ache que irá se valorizar mais, mas é que tem um valor afetivo, sabe? Ganhei de mamãe.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Dos anjos de Deus


O diabo passou por mim duas vezes nesses últimos dias e não me viu. Da primeira achei que estivesse distraído, mas da segunda ele passou bem do meu lado e foi como se eu não estivesse ali. Foi só aí que entendi: aquele cabeleireiro, que há exatos oitenta e nove dias tosou os meus fios pra me deixar com cara de rica, era um anjo disfarçado de pirata.

Pense em um Keith Richards paraguaio. Era o meu cabeleireiro. Vestia preto e usava uma bandana vermelha para cobrir a cabeça raspada . Só eu para não ver que um cabeleireiro careca é algo a se evitar. No mínimo, ele está naquele estado por culpa própria, se fosse bom, exibiria o próprio trabalho.

Também não sei bem que cara as ricas têm, quer dizer, ver coluna social nunca foi meu  passatempo preferido. Mas, definitivamente, não era a cara que eu saí do salão.

Os fios retos deram lugar a fios de todos os tamanhos, desde que não superiores a 10 cm. Ganhei uma franja de mulher branca. Branca alemoa, ainda por cima. O cabelo crespo aguardava apenas uma gota d’água para se rebelar.

Culpa eu não tive, leitora que me acusa. Colocaram-me em uma cadeira cinco metros distante do espelho. Minha miopia tem crescido a taxas chinesas nos últimos anos.

Se praga de cliente pegar, aquele homem já não está mais entre nós. É uma pena, pois poderia ajudar outras pessoas, talvez menos descrentes do que eu.

Estava na livraria e por duas vezes trombei com o diabo, como lhes falei. Velho conhecido meu, talvez fosse cobrar ou inventar alguma dívida. Mas, ele não me viu. Comprou umas revistas de turismo e se foi. Pensando bem, acho que ele também precisava de um bom corte de cabelo.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Transformação


Aos 18 anos nem esperou a convocação do Tio Sam e se alistou no Exército. Cumpriu dois anos no Afeganistão. Não voltou para casa. Ainda não. Pegou um navio para correr o mundo, desembarcou por aqui. Numa sexta-feira de julho, ele estava no trem a caminho da Luz, em São Paulo.

Tinha os olhos muito verdes e o cabelo loiro ainda no estilo soldado, meio oculto sob uma touca, sua branquelice chamava a atenção. Tanto quanto o agasalho camuflado e a mochila de guerra, enorme até mesmo para os padrões daquela linha do fim do mundo ao Centro Antigo.  Ia em pé. Firme no chacoalha chacoalha da velha lataria.

Sentada em um dos bancos, viajava uma mulher morena de seus trinta anos. No frio paulistano, protegia-se com um casaco preto, blusa cinza e cachecol. Comum. Abriu a bolsa. Espelhinho em punho. Sacou a base. Líquida, rapidamente foi absorvida pela pele.

A atenção do soldado, então, desviou-se da paisagem (quilômetros de trilhos e prédios pichados à esquerda e à direita) para ela. O blush foi aplicado com leves toques do pincel. Um delicado tom róseo tornou-se perceptível nas maçãs do rosto. No soldado, a sobrancelha direita erguida sugeria alguma movimentação interior.

Em seguida um pequeno bastão, semelhante a um batom, foi aplicado nas pálpebras superiores. O lápis definiu um traço sutil junto aos cílios, para em seguida ser sublinhado por mais um pincel, desta vez com sombra discretamente colorida. Por fim o rímel, em várias passadas, ergueu os cílios.

Ele nem piscava. Não notou que assim destoava ainda mais dos outros passageiros, mas não teria se importado mesmo que percebesse. Ela renascia ali. Era uma mulher totalmente nova, insuspeita no ambiente semi-escuro. Bela. Estava fascinado, jamais havia assistido a alguém se produzindo.

O banco entre o soldado e a mulher vagou. Como ninguém se manifestasse, ele o ocupou. Ajeitou a touca. Abriu a mochila. Pegou um estojinho azul claro. Continha maquiagem. Tinha prestado atenção, com certeza agora conseguiria fazer sozinho.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Os 300 da M'Boi Mirim

São seis horas da manhã e já tem gente protestando em São Paulo. Só poderia ser periferia. Zona Sul. Fecharam a avenida, ninguém passa. As pessoas não podem chegar ao trabalho. Mas, não faz muita diferença. O problema para os manifestantes, e para as pessoas paradas no trânsito, é que eles levam cinco horas para ir de casa ao trabalho. E agora seus patrões querem que paguem por isso, além de na pele, no contracheque.

Impossível não se solidarizar com eles quando se está também preso no congestionamento. São mais de cinco horas da tarde quando o ônibus para em uma fila sem fim. Talvez um reflexo do protesto da manhã. O sol bate inclemente na janela do coletivo, uma senhora não para de gritar para a madrinha, no celular, que sim, está com saudades, que irá visitá-la assim que chegar em casa. Todos sentem sede, fome, cansaço, sono. Só escapa o cobrador, em papo animado com uma passageira. Às seis, não se andou mais que um quilômetro, ou um quilômetro e meio. A solução é descer e ir a pé mesmo.

Não basta encarar cinco horas de trânsito, em silêncio, para trabalhar todos os dias. Muita gente em pé. Tempo suficiente para se ir até São José do Rio Preto, ou quase chegar ao Rio de Janeiro. O patrão irá descontar o atraso, quando bem poderia demitir.




Demorou para que o trânsito paulistano levasse mais que carros às ruas. Os jornais apresentaram saldo de um ônibus com o vidro quebrado e uma pessoa atropelada, com ferimentos leves, isto, vale lembrar, com trezentos nas ruas pedindo condições dignas de ir ao trabalho. Fosse um tempo atrás, diriam que o Haiti é aqui.

Para a autoridade municipal, o momento é de fé e paciência. Duplicar a via não é uma possibilidade. Na verdade, não dá pra fazer nada agora, disse o prefeito. O jeito é esperar que o metrô fique pronto, se tudo der certo em 2011. Até lá, é meio salário pra todo mundo.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Interessante

Era tarde da noite e o casal se dirigia ao metrô. Haviam se conhecido em um bar, ele lhe oferecera um drinque, conversaram sobre literatura, autores favoritos, livros que marcaram cada um. O inusitado do papo causou nela uma impressão positiva. No caminho, porém, como num teste para a admissão em um emprego, ele perguntou: “Você é uma pessoa interessante?”.





Aquele homem era um bocado impertinente. E interessante. Ela poderia jurar que, em 25 anos, nunca lhe tinham feito esta pergunta. Claro que sim, oras! Inclusive mantinha um relacionamento passional cheio de idas e vindas com uma mulher madura.

Como ele ousava questionar se ela era interessante? Não a convidou para beber, não se ofereceu para sair? E se não fosse interessante, ele daria meia volta? Não havia bebido como de costume, então tinha certeza de que não se enganou quanto à pergunta.

Sua mãe lhe dizia, o tempo todo, que os homens estavam cada vez mais exigentes, mas aquela entrevista era um absurdo. “Vem cá, você tá brincando comigo, né?”, perguntou.

"Brincando? Por quê? Com uma mulher como você não se brinca” – ele respondeu.

Era demais! Como assim, ele falara a sério? E a revolução sexual, e a queima de sutiãs? E as presidentas ao redor do mundo todo? Ora se ela não era interessante!

“Como assim, se sou interessante? Acho minha opinião meio suspeita. Por que você não paga pra ver?", respondeu. Agora teria que fingir até isso, senhor! Não sabia mais se era interessante. Ele a desestabilizara, naquele instante ambos tiveram esta certeza.
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