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segunda-feira, 4 de julho de 2011

O hambúrguer e o paraíso



- Você sabe o que é um contrato verbal? E sabe quando tem que manter a sua palavra?
- ...
- Acabei de me comprometer. É, a me casar com o John! Nós dois começamos a falar sobre encontrar a pessoa certa, se ela existe e tal. E daí eu quase pedi uma nova chance, sabe? É eu sei, você vai me perguntar se eu nunca me canso disso. Não sei o que me deu e propus que a gente casasse.
- ...
- Não! Não agora. Só se a gente não encontrasse até ninguém até 2013, daí nos casamos.
- ....
- Faltam só dois anos e eu já deveria estar escolhendo a igreja, começando a pagar o buffet, vendo todos os vestidos da cidade, do país...
- ....
- Mas agora dei pra pensar naquele indiano, sabe?
- ...
- Como que indiano?! Aquele que vinha sempre, mas só provou um hambúrguer pela primeira vez semana passada! Lembra,  na sexta eu disse a ele que ninguém poderia vir a América, ir à uma lanchonete e não comer um hambúrguer? Daí ele disse que meu sorriso era como o paraíso, então eu valia o sacrifício. Acho que o nome dele era Gamal.
- ...
- E agora eu meio que comprometi com o John, mas o Gamal me deu o telefone dele. Dois anos é muito tempo, o John nunca vai saber. Vou ligar agora. Beijo, amiga!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Verso e costas


Bento colocou uma placa na entrada do estúdio: “Não tatuo nome de mulher – exceção apenas para nomes de mãe e filhas”. Queria assim se ver livre de publicar a ilusão ou a inocência alheias. Ainda assim, a corrupção o espreitava. Não ligava se a moça estivesse presente. Se fosse bonita ou já estivesse morta. Não, não e não. É preciso um mínimo de ética nesse meio. Até que apareceu um fulano. Não queria nome de mulher. Foi justamente por isso que escolheu o estúdio, explicou. “Põe aí, em letra bonita: ‘Amor, só de mãe’ aqui nas costas”.



Era miúdo, careca e via-se que andara malhando para ganhar corpo. “Amor, só de mãe”... Lamentou não ter pensado naquela exceção. Quando criou a placa tinha acabado de tatuar um manezinho que lhe pedira para escrever “Francilangela” em estilo gótico nas costas. O cara curtia vampiros. Ou era emo. Bento não sabe a diferença. Queria impressionar a namorada que ia ser modelo em São Paulo.  Bento aposta que essa nunca mais voltou à terra. Pra não dizer que mudou de nome também.

Houve um outro cara que ele recusou. Queria tatuar “Eu sou muito foda”. Nas costas, claro. Porra, ele era tatuador, não publicitário. Não fazia anúncio de idiota. Quase mudou de ideia quando pensou que na verdade seria um ato altruísta, quase um serviço público. Seria como uma faixa indicando um caminho alternativo para o motorista: evite cara mala, tente o da esquerda.

Era tatuador, porra. Não terapeuta. Mas pelos negócios não podia deixar alguém sair de lá com aquilo. “Legal, né? Foi o Bento que fez”. Que merda, era só no que conseguia pensar com o sujeito ali. Agora, o cara é um fracassado que não pega ninguém e acha bonito contar pra todo mundo? Vai ver era algum tipo de experiência catártica. Cara, estava mesmo virando terapeuta, pensou.

Ligou o botão do “foda-se” e ia fazer o “Amor só de mãe”. Daí a consciência fez mais peso. “Olha cara, nas costas não faço, falou? Se quiser, vai no braço”. O cara ficou satisfeito, “Entendeu! No frio vai ser só andar com a manga dobrada pra galera ver”. Que mãe mereceria mais a tatuagem do que aquela?

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Enrolada

Gisele não usa meias brancas. Nem sapatos pretos, exceto se forem de verniz. Lustrosos como maçã do amor. As vendedoras de calçados já viram muito, mas não tudo. E isso, meias mais sapatos, as chocavam no mais íntimo do ser.

Era inverno, então ela abusava das meias colegiais, coloridas, sempre. Por fora, era o signo da executiva. Calça cinza. Terninho bem cortado. Pasta preta. Mochila com notebook. All-star branco no metrô. Sapatos toc-toc no escritório.

Os sapatos nunca pretos eram uma excentricidade que passava desapercebida pela corporação. Até porque ela os compensava com modelos azuis, prata, chumbo, cor de whisky, de caramelo, beijinho e coco queimado.

Mas as meias, se reveladas, contariam outra história. A cor era de um laranja hare krishna. Indiano também era o padrão da estampa, com azul, marrom, tons de verde. Nada a dever para a figurinista de Caminho das Índias. Na prática, ela vive uma novela que já terminou.

Gisele argumentaria que foi ela quem lançou tendência, pois comprou o par antes de Glória Peres redescobrir as Índias. Na verdade, adquiriu as peças em uma viagem à tradicional Campos do Jordão. Pior, é apegada ao passado.

Ou é hippie. As meias denunciam que ela medita nas horas vagas. Lê livros de sexo tântrico. Pode, por Deus, até praticá-lo! Se louva a Krishna, tem tendência a torturar sua futura nora durante o preparo do chai. Se não for nada disso, então, é uma imatura, se recusa a crescer, pois não está a imitar aquela garota de óculos do Scooby-Doo?

A mãe de seu futuro namorado anotará as meias que ela usar. Ficará atenta toda vez que Gisele cruzar as pernas para, na subida inevitável do tecido da calça, flagrar o delito futuro. Sogra brasileira é versada em najas pseudonacionais.

Todo o seu mundo acabaria. Por apenas duas meias. Meias pacíficas, apolíticas – o Buda também vestia laranja. Meia sem dinheiro. Sem chaminé. Estaria acabada se descobrissem suas meias. Ao mesmo tempo, não podia livrar-se delas. Eis o que pode se tornar um dilema shakesperiano na vida de uma mulher de vinte e pouco anos.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Gola rolê, futebol e sabão de coco


Duas mulheres discutiam, no ônibus cheio, seus fetiches. Em alto e bom som proclamavam suas preferências quanto ao tipo de vestuário ideal para o sexo oposto. A primeira era de opinião de que todos deveriam usar calça de cantor sertanejo, assim agarradinha, para valorizar o derrière. Já a outra defendia que sexy mesmo era malha de tricô com gola rolê, sem nada por baixo. E esse “sem nada por baixo” era dito assim de um jeito que dava o que querer em quem ouvia. Gola rolê, quem pensaria nisso?

“Os ombros ficam mais definidos, o peitoral parece mais amplo... E dá um ar chique, né?”, continuou a segunda. “Ah, mas uma calça assim igual a do Daniel, nem sei...” – replicou a outra. Lá no fundo, uma senhora comentou a meia voz, com aquela que ia ao seu lado, que bons mesmo eram os shorts da seleção de 82. A se ouvir a voz do povo, a Vip deveria revolucionar seu editorial de moda com as tendências outono e inverno: calças sertanejas e malhas, pensa, algo assim meio Julio Iglesias no rodeio.

Os fetiches são mesmo coisa personalíssima. Um amigo, professor de literatura, sente arrepios com palavras. Raridades como acepipe, conjuminar, lupanar... Melhor parar antes que a censura me tolha o verbo. Tolher. Melhor não provocar.

Há quem tenha fetiche por um tipo específico. Caso curioso foi o do Marco Aurélio, que tinha fetiche por empregada doméstica. Começou quando ele, mal entrado na adolescência, notou a Ritinha, que já era praticamente de casa. Não se sabe até hoje quem começou, só que depois da Ritinha veio a Maria, e depois desta a Nice, e foram tantas que pode-se dizer que estava valendo qualquer uma com cheirinho de sabão de coco.

A coisa ficaria restrita aos quartinhos e mini áreas de serviço, até que já entrado na faculdade, Marco Aurélio passou a seduzir as faxineiras da república que dividia com os amigos. Verdade que eram umas senhorinhas que nem se lembravam direito o que era mesmo o pecado. Na época ele saía com uma morena que fazia Letras, moça romântica, que resolveu aparecer de surpresa, bem no dia da faxina, para uma namoradinha antes da aula. Escândalo armado e lágrimas vertidas, agora ele pensa que bom mesmo seria despachar a morena e ficar de vez, às terças e sextas, só com a dona Cleusa.
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