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domingo, 24 de outubro de 2010

Aposta

Depois daquele pé na bunda, só lhe restava ir à lotérica. A vendedora sugeriu um dos bolões da mega-sena. Cotas a R$ 10 e R$ 30. Comprou uma de cada. Olhou na bancada e resolver tentar tudo: lotomania, timemania, dupla sena, federal, loteca... Não tinha cabeça para pensar em tantos números e combinações, deixou que a máquina fizesse a sua sorte.

Ela apenas achava justo que algo desse certo. E, certamente, preferia sua parte em dinheiro. Não precisava ser muito. Qualquer R$ 5 mil já resolvia. Mas Deus poderia ser justo e lhe pagar os juros. Assim, por baixo, devia a soma devia girar entre uns R$ 7 ou R$ 8. Milhões.

O problema é que Deus era um caloteiro. Ele permitia que as pessoas colocassem as dívidas na conta dele, as menores, as maiores e nada de comparecer. Todo poderoso, o SPC e a polícia não o alcançam. Ou não se dão ao trabalho. Talvez Deus seja apenas um viciado na bajulação e quer só curtir.

Não sabia de ninguém a quem Ele tivesse pago o que fosse. Ele devia ser mais como uma máquina caça-níquel, umas luzes coloridas, muita gente tentando a sorte, perdendo seus tostões, e um desavisado ou um viciado que leva uma porcentagem da bolada.

Passou dias sem dar pelo frasco verde de xampu na prateleira do box. De manhã, colocava o primeiro sapato que via, o mesmo que tinha tirado antes de deitar. Nem queria saber o que podia ter naquela sola. Comeu miojo com ovo no jantar por uma semana. Não acreditaria que tinha feito nada daquilo se lhe contassem anos depois.

Nice foi fazer a faxina do apartamento. O acordo é que viesse uma vez ao mês, limpasse os vidros, os azulejos e passasse as camisas do André. Encontrou na mesa, sob pilhas de envelopes, folhetos de comida e revistas, os recibos dos jogos. Prendeu-os com um imã na geladeira para que a patroa os visse assim que entrasse.

À noite, quando chegou, se surpreendeu mais com a honestidade da Nice do que com seu próprio esquecimento dos jogos. No computador, conferiu um por um. Nada. Três pontos em um. Um ponto onde não devia marcar nenhum, ou fazer vinte. É o que dizem: a casa sempre vence.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Uma noiva que não pede presente


Mais uma amiga que se casa. Também ela quer se seu momento seja inigualável. Tímida, mantém tudo em segredo. Inclusive o que quer ganhar de presente. Nós, os convidados, estamos em pânico e por um motivo bastante original: um casamento que não tem lista.

Sei que há casos em que não é preciso dizer. Conhecemos bem a pessoa, seu gosto, e por isso reconhecemos na vitrine, ou no coração, o que tem que ser.

Admito que causar surpresa é uma delícia. Um dos últimos presentes que dei foi assim. Exigiu uma mega operação, semanas de planejamento, apoio logístico, consulta às preferências do zodíaco e até uma ousada manobra de improviso. Foi a primeira vez que consegui comprar algo e segurar até a hora exata, mais de uma semana depois. Acabei presenteada com um dos melhores sorrisos que já recebi.

Porém, há momentos em que se deve abrir o jogo. Ou, pelo menos, dizer se está quente ou frio. Adoro dar presentes, mais do que receber. Todo o processo de imaginar o que combina com a pessoa e que tenha, ao mesmo tempo, algo meu. Só que investigar a demanda de uma noiva que mora a 100km de distância e já tem casa montada é tarefa para um verdadeiro Sherlock Holmes.

Um amigo aposta que deveríamos dar dinheiro. Que ela saberá dar o devido destino aos nossos votos. Protesto: casamento de amiga não é aniversário de afilhado do namorado.

Dinheiro não é presente. Agrada, até, mas não é a mesma coisa. Quem dá corre o risco de ser vítima do outro mais pobrinho que compra algo singelo, mas leva o obrigado mais sincero.  Bem feito! Abuso do poder econômico tem que ser mesmo coibido.  Só falta desenvolver uma justa medida contra aqueles que se recusam a dar uma mísera pista.

Visito sites e me decido por um edredon de milhares de fios egípcios. Para depois reconhecer que lá não faz frio o suficiente para usufruir o luxo. Hipótese descartada, minha mãe sugere sua opção coringa: um jogo de panelas. Deixo isso para quem mal a conhece e quer levar no tapetão.

Aparelho de jantar! Com 20, 30, 42 peças. Descarto os com cara de casa da vó. Apaixono-me completamente por aquele que parece saído de um filme dos anos 50, para me encantar um clique depois por um preto anguloso pós-moderno.

Lembro que o fogão dela pede clemência e lá vou fazer o orçamento. Tentar uma promoção amiga com primo convenientemente empregado nas Casas Bahia.  Mas fogão é presente de mãe. Primo, quero um presente de amiga, tem?

Não quero ser útil. Quero sonhar junto. O vestido. A festa. A cortina da cozinha. Preencher o desejo da noiva com um pouco do meu. Dar-lhe algo do lugar onde um dia irei morar.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Mil reais te dá asas


Ele pagou pela refeição na lanchonete da Augusta onde havia esticado o papo após o trabalho. R$ 18 bem investidos em um Beirute com rosbife, fritas e uma coca-cola seiscentos. Segundos depois, o celular acusou uma mensagem confirmando a compra – um sistema com algum objetivo ainda não identificado, ainda que pago, por ele. O problema era o saldo restante: sua conta acusava R$ 1.054,63C, quando deveria ter pouco mais de R$ 50. 

De onde veio tanto dinheiro? A pergunta quicava de um lado a outro, para cima e para baixo em sua cabeça. Tanto também não, mas ainda era dinheiro. Vai que alguém depositou por engano? Seu irmão lhe devolveu todo o dinheiro emprestado para pagar as contas no bar do seu Manoel? Não... O banco cometeu algum erro? Ele era um laranja e não sabia?  

Contar aos amigos seria mesmo muito idiota. “Cara, com certeza houve algum engano e você vai ter que devolver essa grana”, eles diriam. E ele não estava bem certo de que queria devolver. A conta estava no vermelho, o aniversário da namorada seria dali a dois dias e ela merecia algo, o carro precisava de conserto. Na ponta do lápis, era bem aquele dinheiro que faltava.

De volta no metrô, ele se espantava consigo mesmo. Sempre foi o cara que devolveu tudo o que encontrou, de canetas a guarda-chuvas. Nunca aprendeu a colar porque achava errado, daí tinha que estudar mais que todo mundo, inclusive aos sábados, domingos e feriados – o que foi motivo de piada durante toda a escola.  Queria fazer tudo certo porque acreditava nisso.  



Mil reais não era tanto, podia bem ficar com ele. Só desta vez, pôxa. Preparou-se então para seu primeiro ato de corrupção passiva. Foi ao banco. Decidiu checar o saldo, ver aquele número na tela azul novamente seria legal. Porém, a tela, talvez magoada com sua descrença, revelou outra verdade.  

Saldo: R$  54,63C
Limite do cheque especial: R$ 1.000,00C
Saldo disponível para movimentação:  R$ 1.054,63C

Não teria mais dinheiro todos os dias até o fim do mês. Sua ignorância digital, ou de quem tivesse criado o sistema de torpedos do banco, o liberou para sonhar como se tivesse ganho um prêmio que valesse nenhuma preocupação no bolso.  
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