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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Enrolada

Gisele não usa meias brancas. Nem sapatos pretos, exceto se forem de verniz. Lustrosos como maçã do amor. As vendedoras de calçados já viram muito, mas não tudo. E isso, meias mais sapatos, as chocavam no mais íntimo do ser.

Era inverno, então ela abusava das meias colegiais, coloridas, sempre. Por fora, era o signo da executiva. Calça cinza. Terninho bem cortado. Pasta preta. Mochila com notebook. All-star branco no metrô. Sapatos toc-toc no escritório.

Os sapatos nunca pretos eram uma excentricidade que passava desapercebida pela corporação. Até porque ela os compensava com modelos azuis, prata, chumbo, cor de whisky, de caramelo, beijinho e coco queimado.

Mas as meias, se reveladas, contariam outra história. A cor era de um laranja hare krishna. Indiano também era o padrão da estampa, com azul, marrom, tons de verde. Nada a dever para a figurinista de Caminho das Índias. Na prática, ela vive uma novela que já terminou.

Gisele argumentaria que foi ela quem lançou tendência, pois comprou o par antes de Glória Peres redescobrir as Índias. Na verdade, adquiriu as peças em uma viagem à tradicional Campos do Jordão. Pior, é apegada ao passado.

Ou é hippie. As meias denunciam que ela medita nas horas vagas. Lê livros de sexo tântrico. Pode, por Deus, até praticá-lo! Se louva a Krishna, tem tendência a torturar sua futura nora durante o preparo do chai. Se não for nada disso, então, é uma imatura, se recusa a crescer, pois não está a imitar aquela garota de óculos do Scooby-Doo?

A mãe de seu futuro namorado anotará as meias que ela usar. Ficará atenta toda vez que Gisele cruzar as pernas para, na subida inevitável do tecido da calça, flagrar o delito futuro. Sogra brasileira é versada em najas pseudonacionais.

Todo o seu mundo acabaria. Por apenas duas meias. Meias pacíficas, apolíticas – o Buda também vestia laranja. Meia sem dinheiro. Sem chaminé. Estaria acabada se descobrissem suas meias. Ao mesmo tempo, não podia livrar-se delas. Eis o que pode se tornar um dilema shakesperiano na vida de uma mulher de vinte e pouco anos.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Gola rolê, futebol e sabão de coco


Duas mulheres discutiam, no ônibus cheio, seus fetiches. Em alto e bom som proclamavam suas preferências quanto ao tipo de vestuário ideal para o sexo oposto. A primeira era de opinião de que todos deveriam usar calça de cantor sertanejo, assim agarradinha, para valorizar o derrière. Já a outra defendia que sexy mesmo era malha de tricô com gola rolê, sem nada por baixo. E esse “sem nada por baixo” era dito assim de um jeito que dava o que querer em quem ouvia. Gola rolê, quem pensaria nisso?

“Os ombros ficam mais definidos, o peitoral parece mais amplo... E dá um ar chique, né?”, continuou a segunda. “Ah, mas uma calça assim igual a do Daniel, nem sei...” – replicou a outra. Lá no fundo, uma senhora comentou a meia voz, com aquela que ia ao seu lado, que bons mesmo eram os shorts da seleção de 82. A se ouvir a voz do povo, a Vip deveria revolucionar seu editorial de moda com as tendências outono e inverno: calças sertanejas e malhas, pensa, algo assim meio Julio Iglesias no rodeio.

Os fetiches são mesmo coisa personalíssima. Um amigo, professor de literatura, sente arrepios com palavras. Raridades como acepipe, conjuminar, lupanar... Melhor parar antes que a censura me tolha o verbo. Tolher. Melhor não provocar.

Há quem tenha fetiche por um tipo específico. Caso curioso foi o do Marco Aurélio, que tinha fetiche por empregada doméstica. Começou quando ele, mal entrado na adolescência, notou a Ritinha, que já era praticamente de casa. Não se sabe até hoje quem começou, só que depois da Ritinha veio a Maria, e depois desta a Nice, e foram tantas que pode-se dizer que estava valendo qualquer uma com cheirinho de sabão de coco.

A coisa ficaria restrita aos quartinhos e mini áreas de serviço, até que já entrado na faculdade, Marco Aurélio passou a seduzir as faxineiras da república que dividia com os amigos. Verdade que eram umas senhorinhas que nem se lembravam direito o que era mesmo o pecado. Na época ele saía com uma morena que fazia Letras, moça romântica, que resolveu aparecer de surpresa, bem no dia da faxina, para uma namoradinha antes da aula. Escândalo armado e lágrimas vertidas, agora ele pensa que bom mesmo seria despachar a morena e ficar de vez, às terças e sextas, só com a dona Cleusa.
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