Ornella possuía um pequeno livro de capa vermelha sobre seu próprio futuro. A obra fora escrita pela avó Dormélia, que além de prever toda a própria vida, antevira a da filha e a da neta.
A moça não se interessava pelo que aconteceria à mãe e à avó, apenas lia e relia a passagem que revelava que seu prometido a encontraria numa tarde qualquer no Café da Vila. Prometido por quem? Pela avó? Fosse por quem fosse, ela contribuía para o milagre rezando a previsão.
Toda mulher tem uma fase de diva. Só que diva brasileira é diferente: tem todo um glamour, mas ela se destaca mesmo é pela sinceridade. Luísa Brunet, Vera Fisher e até a caidinha Miriam Rios confessaram recentemente que estavam sem sexo há, no mínimo, dois anos e contando. Carmem só então se deu conta de quantas folhas do calendário haviam se passado desde aquela noite com André, ao mesmo tempo em que se viu parte de uma comunidade seletíssima: a das novas virgens.
Aquelas mulheres estiveram ali a sua vida toda, ou pelo menos, por toda sua vida adulta, sem nunca terem compartilhado com ela o que fosse. Nem ideias ou cor de cabelo. E eram da mesma geração, como Shakespeare e Gil Vicente. E acabava que ali, trinta anos passados, estivessem todas com a cama vazia.
Vazia como o mercado de homens. Guris de um lado, gays de outro. Vibradores ao lado do caixa.
Da última vez com André, mal se lembrava. Recolheu suas coisas pela casa, passou o café e deixou uma nota breve – “chega”. Era um feriado prolongado qualquer. Lá fora, céu azulzinho, com sol fraco. Caminhou na praia, tomou sorvete, redecorou o apartamento.
Mudou de emprego, de corte de cabelo várias vezes, aprendeu alemão, conheceu Buenos Aires, fez drenagem linfática, passou a ir à academia. Acordava cedo, trabalhava até tarde, ia a festas de gente que não conhecia. Dormia sozinha. Nem se deu conta.
Era uma mulher santa, quase uma monja, pensou consigo mesma. Não fazia sexo, não lembrava que tinha. Era diferente de todas as mulheres com quem convivia. Semelhante só às divas. Foi de espelhinho em punho e pose de contorcionista verificar: estava lá, do jeito que mamãe e papai haviam feito.
Estou cansada demais para que meu cérebro articule tanta informação ou cogite abrir meu outro olho. É noite. Ouço vozes, tem um pouco de luz no quarto. A cama vazia ao meu lado. Desisto e durmo. Chico passou horas em claro de novo, sentado na beira da cama, vendo alguma reprise na tv. Irritado, mas sem querer me acordar.
Pedi que fizesse acupuntura, mas ele tem medo de agulha. De acupuntura. Não quer tentar nem as sementes. Ofereci remédios, mas ele acha que nada que não tenha tarja preta funcione. Pensei que poderia ser a academia que ele faz à noite. Mas era culpa burguesa.
Tem uns pesquisadores da Universidade John F. Kennedy (EUA) que aferiram que pessoas da esquerda dormem menos, de forma pior e com sonhos bizarros de bônus, coisas como mortos-vivos e transas selvagens. Estava tudo explicado.
Eu poderia jurar que o Chico votava no Democratas desde bebê. Talvez vote mesmo mas, no fundo, queria votar na Dilma. Aqueles terninhos de gola chinesa que ela usou nos debates o seduziram. Socialismo de mercado. Crescimento asiático. Jamais teria saído com ele se soubesse desse lance esquerdista.
Todas aquelas discussões, ele tão enfático sobre a natureza criminosa do MST, a corrupção endêmica no governo federal, a falta de um verdadeiro capitão Nascimento para limpar as favelas, o voto de cabresto que é o Bolsa-família.
Minha família é de esquerda. Meu pai é metalúrgico. Votamos tantas vezes no Lula, que acabamos colocando ele lá. Dormi no ponto. No ponto, no ônibus, na cama. Durmo praticamente em qualquer lugar. Nada me faz perder o sono, na verdade. Eu sou de direita?
Geralmente, digo social-democrata. E não me venha com esse sorrisinho na cara. O que está em jogo aqui é que sou uma mulher que precisa e acredita na alternância de poder. Mas com os de direita, sonhando com a esquerda, não sei. Perco a fé no meu próprio governo.
Para quem quiser conferir a insônia da esquerda, clique aqui.
Jennifer saiu para dançar na noite e encontrou Nuno. Eles ficaram acordados juntos até o DJ recolher seus discos e meses depois ele ainda não a procurou. Um amor platônico dali nasceu.
Passado tanto tempo e calejada de tanto Lulu Santos nos ouvidos (“Eu te amo calado como quem ouve uma sinfonia...”), ela decidiu libertar-se das expectativas e escolher que lugar ocuparia no mundo. Afinal, quem não tem dinheiro para terapia recebe a vendedora da Avon e encomenda batom e “Por que os homens amam as mulheres poderosas?”.
Ela leu, grifou algumas passagens, tomou notas e decidiu. Mandou um recado por uma amiga, que poderia vê-lo ainda aquele dia.
- Diga que perguntei por ele e gostaria de vê-lo de novo.
- Qualquer dia?
- Pode ser domingo.
“Jennifer? Que Jennifer?”, devia ser alguma amiga da Mari com quem ele tivesse saído algum dia. Quem quer que fosse, não foi importante. Ele poderia lhe dizer que seu sobrinho nasceu, depois seus pais vieram visitar o bebê e ficaram na casa dele e daí depois... Mas já tinha conversado com a testemunha de Jeová que o abordou no ônibus. Então confessou:
- Olha, Mari, a Jennifer, de novo, só num dia de chuva.
O que leva alguém a dar dois laços no tênis e continuar com cadarço suficiente para pisar em cima? Pior é que os dois laços estão quase se d...
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Agora também participo do Coletivo Claraboia . Tem muita gente boa participando e uma grande diversidade de estilos: crônica, conto, poesia e o que mais as pessoas bolarem. E convidados especiais também. O primeiro foi o querido Luiz Braz. Fica a dica ;)