Ele pagou pela refeição na lanchonete da Augusta onde havia esticado o papo após o trabalho. R$ 18 bem investidos em um Beirute com rosbife, fritas e uma coca-cola seiscentos. Segundos depois, o celular acusou uma mensagem confirmando a compra – um sistema com algum objetivo ainda não identificado, ainda que pago, por ele. O problema era o saldo restante: sua conta acusava R$ 1.054,63C, quando deveria ter pouco mais de R$ 50.
De onde veio tanto dinheiro? A pergunta quicava de um lado a outro, para cima e para baixo em sua cabeça. Tanto também não, mas ainda era dinheiro. Vai que alguém depositou por engano? Seu irmão lhe devolveu todo o dinheiro emprestado para pagar as contas no bar do seu Manoel? Não... O banco cometeu algum erro? Ele era um laranja e não sabia?
Contar aos amigos seria mesmo muito idiota. “Cara, com certeza houve algum engano e você vai ter que devolver essa grana”, eles diriam. E ele não estava bem certo de que queria devolver. A conta estava no vermelho, o aniversário da namorada seria dali a dois dias e ela merecia algo, o carro precisava de conserto. Na ponta do lápis, era bem aquele dinheiro que faltava.
De volta no metrô, ele se espantava consigo mesmo. Sempre foi o cara que devolveu tudo o que encontrou, de canetas a guarda-chuvas. Nunca aprendeu a colar porque achava errado, daí tinha que estudar mais que todo mundo, inclusive aos sábados, domingos e feriados – o que foi motivo de piada durante toda a escola. Queria fazer tudo certo porque acreditava nisso.
Mil reais não era tanto, podia bem ficar com ele. Só desta vez, pôxa. Preparou-se então para seu primeiro ato de corrupção passiva. Foi ao banco. Decidiu checar o saldo, ver aquele número na tela azul novamente seria legal. Porém, a tela, talvez magoada com sua descrença, revelou outra verdade.
Saldo: R$ 54,63C
Limite do cheque especial: R$ 1.000,00C
Saldo disponível para movimentação: R$ 1.054,63C
Não teria mais dinheiro todos os dias até o fim do mês. Sua ignorância digital, ou de quem tivesse criado o sistema de torpedos do banco, o liberou para sonhar como se tivesse ganho um prêmio que valesse nenhuma preocupação no bolso.