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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O meu bebê número 1


Há pouco mais de uma semana a Terra recebia o habitante de número 7 bilhões. Outros milhares de bebês nasceram, mas uma menina das Filipinas, Danica, foi quem recebeu a honraria. Enquanto isso, do outro lado mundo, na minha oficina de escrita criativa, nascia o meu primeiro bebê. Um menino. Resolvi me conceder uns dias de resguardo, curtir os primeiros dias da criança antes de vir contar aqui.
Metáforas a parte, nasceu sim o meu primeiro conto publicado no jornal Conto. Quem me segue pelo blog, sabe que eu sou uma mulher da crônica, mas até que dei conta do serviço. A publicação foi uma parceria entre os alunos, com a coordenação do escritor Marcelino Freire. Confira a íntegra abaixo.
Ah, se você quer saber sobre os outros bebês, vale pegar uma edição gratuita do jornal durante a Balada Literária, evento que acontece em São Paulo, de 16 e a 20 de novembro. Olhe, até mano Caetano Veloso irá comparecer ;)


Bebê sob encomenda



Aline Viana

- “Alameda Jaú, 1.567, Jardins - São Paulo”. De quem é esse endereço, Judite?
- É da madrinha do Pedro Arthur, sim, senhora. Fiquei de mandar uma encomenda importante pra ela. A senhora consegue achar o CEP aí no computador?
- Claro, minha filha. Já tá aqui ó: 01420-002. Agora volta pra casa, que deixar criança sozinha, mesmo dormindo, é um perigo!
- Já vou então, dona Rafaela, muito agradecida.
Judite voltou pra casa a pé mesmo. Sabia que o filho ainda dormiria mais uma ou duas horas porque havia acabado de mamar. Era só meia hora a pé, nem compensava esperar o ônibus, que demorava uns vinte minutos pra passar e a deixava onde o asfalto acabava. Dali ainda tinha chão até em casa.
Judite não sabia como fazer, mas ser mãe havia sido desse jeito o tempo todo. Arrumou a trouxa do bebê, colocou os dois últimos pacotes de fralda por precaução, roupinha de frio, lá não devia estar calor como naquele fim de mundo da Bahia, coberta, os bichinhos que ele mais gostava, leite em pó, mamadeira. Devia pôr tudo numa caixa ou numa mala? Melhor uma mochila. Precisava passar papel pardo em volta? Por via das dúvidas, vestiu Pedro com um macacãozinho bege, de ursinho. E seguiu para a agência dos Correios com o filho.
- Quanto tempo leva pra um pacote chegar em São Paulo, moça?
- Uns dois dias, senhora. Se a senhora pagar um pouco mais, a gente garante que chega amanhã de manhã.
Comprou vários selos e espalhou por todo lado na mochila. Deu um último beijo em Pedro Arthur e o colocou com cuidado no armário do malote.
Ela não podia ficar com o menino, não agora que o Bento foi trabalhar em obra no Recife com a biscate da Elaine. Um dia, quando chorava na igreja, depois da missa, o padre Jonas veio conversar com ela. E falou de mulheres que não podiam ter filhos, mas que aceitariam qualquer criança que Deus lhes enviasse. Pediu para ela pensar com calma, que Deus falaria em oração.
Primeiro sentiu medo, depois raiva, e tristeza e tudo de novo. Fora de ordem. O filho dela não era brinquedo, não podia dar assim pros outros. Queria saber quem era, o que fazia, se era gente de bem.
Tarsila ligou um dia na casa da patroa, procurando por Judite. Foi a primeira vez que alguém ligou no emprego procurando por ela. A mulher contou que havia conseguido o número com o padre Jonas. Judite lhe deu o número do celular, que ela podia atender depois do trabalho.
Conversaram várias vezes. A paulista lhe contou que não conseguia pegar barriga. Os médicos não sabiam o porquê. Ia toda noite na igreja da Consolação pedir por um milagre. Até que o padre de lá disse que a igreja podia ajudar. Se ela aceitasse a criança de alguém podia dar-se um jeito. Dias depois, o padre Jonas ligou e contou a história dela, Judite.
A mulher lhe pareceu séria, mas Judite também quis falar com o marido. Era um homem simples, que lhe passou confiança. Combinaram de só mandar o bebê depois de seis meses, para ele poder mamar um pouquinho que fosse. Ela devia ligar para avisar quando pudesse levar a criança. O casal combinou de pagar a passagem de ônibus, já que ela não queria nem saber de entrar em avião. Faltava coragem para prolongar a despedida por dois dias inteiros, num ônibus, pra depois voltar sem ele. Ia mandar o menino pelos Correios. Eles sempre entregavam as contas no prazo, não iam deixar nada acontecer ao filho dela.
 Os Correios entraram em greve naquele mesmo dia. Ninguém ia avisar os clientes, pra não tirar a força do movimento. Se a população tivesse prejuízo, ia cobrar do governo uma solução junto com eles.
Marcos recolheu as encomendas lá pelas nove da noite. Entre caixas e pacotes, deu com o Pedro Arthur. No macacão, o endereço da dona Tarsila, colado com etiqueta no peito, nas costas, na mochilinha. Não tinha nome do remetente. Até onde se sabia não era proibido mandar crianças pelos Correios. Como o clima já era de greve, os colegas decidiram em assembleia que era o Marcos quem levaria o bebê para São Paulo. Ali não podiam deixar, não sabiam quem era a mãe, não dava pra devolver. A encomenda estava paga. Ele ia junto com os outros pedidos marcados como perecíveis, de trem, já que as entregas de avião continuariam suspensas.
Ele nunca tinha cuidado de bebê nenhum. Argumentou que não sabia trocar fralda. Uma colega, que ganhara bebê há pouco, lhe ensinou como fazer, já deixando o Pedro pronto para a viagem. Ensinou a dar de mamar, dar banho, por pra dormir.
Quando deu por si,  já alguém havia buscado em sua casa uma sacola com as roupas pra  jornada. Avisaram a mãe que em duas semanas ele estaria de volta e o chefe se comprometeu a visitá-la.
O trem passou quase meia-noite. Marcos colocou a mochila de Pedro Arthur nas costas e entrou no primeiro vagão do trem, logo atrás da cabine. Era o único que tinha bancos, ainda que velhos, estofados em couro vermelho e mais ou menos confortáveis. Os outros vagões eram para transporte de carga – os remédios, os alimentos e o que mais o gerente da agência achou que devia ser enviado com urgência estavam lá.
O maquinista da noite contou que em mais de vinte anos de linha de ferro nunca viu uma encomenda daquelas. Ele explicou que, em uma viagem perfeita, levariam cinco dias para chegar. E isso porque a companhia abandonou o esquema de transferências por ter cada vez menos cargas – os motoristas e os empresários preferiam se arrebentar na estrada, lamentou. O menino, talvez tão assustado quanto Marcos, puxou os cachos do cabelo do carteiro, que o usava comprido por vaidade, lhe arrancando um grito.
Logo na primeira noite, a criança acordou várias vezes. Talvez estranhasse o sacolejo do trem, a poeira que cobria o ar, ou simplesmente para protestar por ter se sujado. Marcos acordava meio tonto, sem entender que a choradeira era com ele e com isso despertava o motorista do dia, que precisava dormir até cedo.
A primeira parada foi no meio do nada, uma cidadezinha que era só vento e barro vermelho. Eles iriam passar por mais mil outras pelo caminho antes de chegar. Homens em mangas de camisa em busca de cartas e encomendas se aglomeravam na estação. Enquanto o trem chegasse lá, pra eles não tinha greve. E saíam satisfeitos apenas aqueles que pediram remédios.  Os outros continuavam sem notícias, sem pertences.
No intervalo de uma hora aprendeu a banhar a criança na pia do banheiro. No vagão de passageiros, o banheiro estava entupido há anos. Queria ter conseguido limpar pelo menos o principal como dizia a mãe, em código para suvaco, pinto e bunda, mas com quem ficaria o menino? Não podia correr o risco de perder uma entrega daquelas. Pelo menos conseguiu mijar. E molhar o cabelo e lavar o rosto. Comprou duas garrafas de água para a criança. Para ele uma coca-cola e três coxinhas bastavam. Beberia de novo quando o trem voltasse a parar. Se enchesse a barriga d’água, não teria onde se aliviar.
Deitou o menino no banco, mas ele não quis dormir. Ameaçou chorar. Sentou a criança, que a custo tentava se equilibrar. Lembrou dos bonecos e lhes deu. Na linguagem lá dos bebês, Pedro Arthur agradeceu e chacoalhou o elefantinho azul, tirando cada instante uma melodia diferente do brinquedo. Só pegou no sono quando o sol caiu e o trem já parava em outra estação, ainda na Bahia. E foi aquele dorme-acorda como da outra vez.
O trem quebrou quase chegando a Belo Horizonte, ainda a dois dias de São Paulo. Sorte que da véspera sobrou bolacha, um pouco de suco e toddynho para o menino. O conserto chegaria em algumas horas.  Alguma bitola tinha estourado, ou era o carvão que estava verde, o maquinista não sabia direito. Marcos esticou um tapete que havia achado atrás de um dos bancos e colocou lá o Pedro com os brinquedos. O menino parecia não se incomodar com o tempo parado, os mosquitos, o mormaço. Ria e ria ao ver o elefantinho cair ou a bola rolar. Esticava as mãozinhas para que a bola voltasse sozinha e chorava se ninguém a jogasse de volta pra ele.
O mecânico chegou da capital numa picape. Mexeu por horas e no final da noite conseguiu pôr a máquina soltando fumaça. Pelo menos o mecânico havia trazido um pouco mais de comida, que dividiu com os três homens e a criança. Sem geladeira, não adiantava guardar muito.
Mais dois dias se seguiram nessa toada até que o céu cinza e o cheiro de pneu queimado estivesse por toda parte. Pedro já conseguia sentar sozinho e tentava pegar os bonecos que ficavam longe. E fazia festa só de ver o Marcos. E dormia a noite toda – coisa que da primeira vez até assustou o carteiro, que achou que ele tivesse morrido.
- Parece que nem lembra de casa, refletiu o carteiro.
Dois colegas foram buscá-los na estação da Luz. O mais alto, Marcelo, achou a história toda tão da hora, que queria a todo custo levá-los na TV Cultura, que ficava ali perto, para contarem pros repórteres. Iriam ficar famosos. A ideia só podia vir mesmo de um moleque sem noção, um fura-greve, pensou o baiano. Forçou-se a agradecer, mas disse que ele e o menino precisavam de um banho. De verdade, com chuveiro e água quente. E comida e leite forte, que leite em pó não era alimento pra criança. Encheram a van com as outras encomendas e foram para o centro de triagem da rua Pamplona, perto da avenida Paulista. Foi um alívio tomar banho completo, de chuveiro, de porta fechada, sem temer que alguém lhe roubasse o bebê. Dormiu na casa do caseiro do prédio onde ficava a agência. O menino no sofá e ele num colchão no chão.
- Dona Tarsila, tem um moço aqui na portaria dizendo que tem uma encomenda pra senhora. Diz que a senhora mesma é quem tem que assinar lá.
- Mas eu não encomendei nada...
Na portaria, o Marcos com o filho dela nos braços. O menino gordinho, de macacãozinho verde e touquinha listrada de golfinho, brincava com o cabelo do carteiro.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

A primeira confissão


Que pecado contaria ao padre? – Marina se perguntou a tarde inteira e, já noite, ainda não sabia. A primeira comunhão era uma coisa complicada: primeiro tinha sido batizada, depois fez o cursinho e agora a confissão, o último desafio antes de receber a hóstia consagrada. 

A catequista disse para a turma contar a verdade na confissão com o padre Ercílio. Marina sabia que aquilo era um truque. Se dissesse a verdade, o padre daria o mesmo sorriso pequeno que o pai dela fazia antes de dar aqueles castigos realmente grandes e prepararia com capricho a penitência. O medo dela era ter que rezar até dar câimbra. E se ele a mandasse ajoelhar no feijão? 

Nem o padre, nem a catequista e nem a mãe iriam acreditar nela. Dizer que não tinha pecado, onde já se viu? “Todo mundo tem pecado, quem não tem mente e isso é muito grave porque daí são dois pecados: a arrogância e a mentira”, a tia tinha falado no catecismo. 

O livro do curso estava aberto sobre a cama na página dos dez mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas, ok; não usar o nome de Deus em vão, também; guardar domingos e dias de festa, lógico que sim; honrar pai e mãe – ela obedecia porque senão já viu, né?; só levantava falso testemunho em caso de legítima defesa, como agora; cobiçava as coisas? Se não sabia o que era, não podia ser culpada. 

Pegou um banquinho e posicionou do lado da estante. Ainda teve que subir no móvel para conseguir alcançar o dicionário da avó. Cobiçar era querer algo que era dos outros, dizia lá. Mas só sentia isso um pouquinho, não passava do Natal, quando o pai lhe comprava os presentes. Roubar não fazia. O homem do saco leva criança que rouba pra trabalhar pra ele. Ou ia pra Febem, já tinha visto na tevê.  

O último pecado só podia ser coisa de adulto: castidade. Palavra que lembrava castiçal, coisa de vó, sabe? Se era algo parecido com castiçal, então, tinha a ver com vela e com fogo, e o pai a proibiu de mexer com fogo. Podia ter olhado de novo no dicionário, mas eram tantas folhas, as letras pequenininhas e ela estava tão cansada que dormiu antes mesmo de pensar em tudo isso. 

Sonhou que o padre confiscava seu diário. “Olha, Marina! Está tudo aqui! Não tem pecado, ora essa! Vá rezar vinte ave maria e trinta pai nosso, já! E que Deus te perdoe!”, dizia ele enorme para uma Marina encolhida atrás do terceiro banco da igreja. 

A menina acordou certa de que devia entregar ao padre todos os seus segredos. Com certeza foi Deus que lhe falou em sonhos, pelo menos a mãe e a catequista diziam que ele fazia isso toda hora em resposta às orações.  Ela nem orou, mas como estava na maior atribulação achou que Ele, muito sábio, resolveu ajudar mesmo assim. 

A fila da confissão tinha todo mundo de todas as turmas do catecismo. A primeira a entrar foi a Débora, uma ruivinha, que saiu de lá rapidinho e chorando. Vai saber o quê ela tinha feito, pensava Marina. Desconfiou, lá no fundo, que ela também achava que não tinha pecado nenhum. Quando chegou a sua vez, sentou na cadeira à frente do padre – lá na igreja do Jardim Atalaia não tinha dessas coisas chiques de casinha pra confessar, era olho no olho, mesmo para as crianças – e falou, sem nem respirar: 

- Padre, tá tudo aqui. O senhor lê rapidinho, por favor, e não conta nada pra minha mãe. 

Marina deu ao padre Ercílio a chave para abrir o diário lilás. Ele ficou olhando pra aquilo algum tempo, depois abriu, deu umas folhadas. A menina pensou que ele não conseguiria entender sua letra apertada. 

- Padre, a minha letra é feia mesmo, mas eu prometo não faltar mais na aula de caligrafia. Se quiser, eu leio pro senhor. 

O padre agradeceu, mas continuou lendo em silêncio por mais alguns minutos. Depois fez uma cara que ela nunca viu nele e mandou Marina rezar três pai nosso e duas ave maria. Foi a menor penitência da turma.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Três é demais


Dois filhos eles queriam. Menino e menina ou dois de cada. Mas apenas dois. Foi o que disseram ao médico. Choro após choro soou na sala de cirurgia. Vozes distintas. Três. Eram os analgésicos, só podia ser, ela pensou.

Eram três bebês. Deus, eles só tinham dois nomes: Marcela e Isabella. Na verdade, quatro. Também pensaram em Marcus e Gabriel. Se viesse um de cada, olhariam bem para eles e tirariam a sorte no cara ou coroa.

Três meninas. Só podiam ficar com duas, Nina repetia para si mesma no quarto. 

Pedro soube pelo médico, logo após o parto. Só conseguiu dizer:

- Nós só queríamos, queremos, dois filhos. Qual parte você não entendeu?

O marido foi pensar no carro em como dizer à Nina que não tinha mudado de ideia, ainda queria só dois filhos. Era o que cabia no apartamento, no orçamento, na vida deles. Planejamento familiar, ele acreditava nisso.

No princípio poderiam ter sido os analgésicos, mas agora ela estava desperta. Três não eram duas. Ela pediu dois bebês ao médico que fez a inseminação. O marido poderia confirmar. A cigana havia previsto que iria encontrar um homem que gostasse de viajar, um homem confiável e fiel que seria sua rocha, com quem teria dois filhos. 

Conheceram-se na festa de ex-colegas da faculdade. A festa foi acabando, a carona dela embriagou-se tanto que só restava passar a noite ali, no frio do salão. Ela desabou no sofá exausta e pegou um café para não apagar, ele puxou conversa. Estava com um amigo na mesma situação. 

Descobriram que tinham ido aos mesmos shows, visto os mesmos filmes, adoravam suco de melancia, freqüentavam a mesma igreja, tinham vários amigos em comum. Eram quase a mesma pessoa.

Assim que recebeu autorização, Pedro subiu ao quarto para visitar Nina. Foi verem-se para saber que tomaram a mesma decisão: continuavam querendo duas crianças. A vida não é promoção, onde pelo preço de duas se leva três. Avisaram ao doutor Felipe para preparar apenas duas delas para levarem.

O médico também não quis saber de promoção. Encaminhou as três meninas ao conselho tutelar. Aos pais, disse para procurar o Procon. 

O texto foi baseado em uma notícia veiculada pelo portal iG sobre um casal que resolve colocar para adoção um de seus três bebês. Confira aqui

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Educação infantil



Meus pais erraram na minha educação. Erraram feio. Nunca brigaram na minha frente. Sequer discutiram até eu ter quase 18 anos. Não pensem que a maioridade foi o que garantiu o meu acesso ao mundo da discórdia. Não. O que proporcionou esse valoroso aprendizado foi um daqueles casos de família que é melhor nem publicar. Em dois ou três meses foi dada a matéria de uma vida toda. Enfim, graças a papai e mamãe cresci sem saber o que é uma discussão normal entre homem e mulher. Normal, pra mim, era sempre o clima ameno. Confusão apenas aquelas causada pelo filho que quebrou a boneca da filha. Ou da filha que pegou o mp3 do irmão sem pedir licença. O resultado é que cresci com ojeriza de briga de homem e mulher.

Saber que os adultos brigam é inevitável, se bobear a informação brilha em néon no inconsciente coletivo dos filhos. Se não, têm-se os vizinhos para fazer esse dado circular. É o som alto de um. A má-educação do filho do outro. A fofoca de uma doninha – nome que minha mãe dava às senhoras que cujo expediente era cuidar da vida alheia no portão. Papai e mamãe pareciam que nunca tinham sido crianças.

Então, ficou meio dito pelo não dito que briga era coisa de criança e que eles nasceram grandes. Gente grande, pelo menos gente grande de bem, atravessa a rua na faixa, sempre diz por favor, não fala palavrão e não briga, nem discute, entre si.

Eu cresci, mas fiquei gente pequena. Ainda acho isso um contra-senso desagradável, embora sem remédio. Deve ser por isso que vejo tanto adulto brigando. Devem ser gente pequena disfarçada de gente grande. Vai ver usam pernas de pau sob a roupa. Isso explicaria a postura insegura daquele cara com quem tenho que ter uma conversa séria. Mas se sou gente grande, por dentro, imagino que sou superior a isso. Que não tenho nada que discutir. Já está tudo claro e certo. Ele gente grande também, ou gente pequena disfarçada – essas sempre sabem quem é gente grande – já deveria ter entendido.

Mas não entendeu. Não vai entender. E eu que não sei brigar. Como adulto. Faltou-me o exemplo e hoje também me falta bibliografia. O caso é grave. Penso até em processar meus pais.
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