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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Dos anjos de Deus


O diabo passou por mim duas vezes nesses últimos dias e não me viu. Da primeira achei que estivesse distraído, mas da segunda ele passou bem do meu lado e foi como se eu não estivesse ali. Foi só aí que entendi: aquele cabeleireiro, que há exatos oitenta e nove dias tosou os meus fios pra me deixar com cara de rica, era um anjo disfarçado de pirata.

Pense em um Keith Richards paraguaio. Era o meu cabeleireiro. Vestia preto e usava uma bandana vermelha para cobrir a cabeça raspada . Só eu para não ver que um cabeleireiro careca é algo a se evitar. No mínimo, ele está naquele estado por culpa própria, se fosse bom, exibiria o próprio trabalho.

Também não sei bem que cara as ricas têm, quer dizer, ver coluna social nunca foi meu  passatempo preferido. Mas, definitivamente, não era a cara que eu saí do salão.

Os fios retos deram lugar a fios de todos os tamanhos, desde que não superiores a 10 cm. Ganhei uma franja de mulher branca. Branca alemoa, ainda por cima. O cabelo crespo aguardava apenas uma gota d’água para se rebelar.

Culpa eu não tive, leitora que me acusa. Colocaram-me em uma cadeira cinco metros distante do espelho. Minha miopia tem crescido a taxas chinesas nos últimos anos.

Se praga de cliente pegar, aquele homem já não está mais entre nós. É uma pena, pois poderia ajudar outras pessoas, talvez menos descrentes do que eu.

Estava na livraria e por duas vezes trombei com o diabo, como lhes falei. Velho conhecido meu, talvez fosse cobrar ou inventar alguma dívida. Mas, ele não me viu. Comprou umas revistas de turismo e se foi. Pensando bem, acho que ele também precisava de um bom corte de cabelo.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Confissão

A terapeuta diz que minha implicância é ciúme, mas tenho o tempo a meu favor: sempre detestei meninas mimimi. Menina mimimi é aquela que é toda risadinha, que é uma delicadeza só, que criança não jogava bola pra não mostrar a calcinha, fica vermelha se ouve palavrão e é incapaz de pensar por si mesma. É uma fraude. E como faz sucesso.



Chega até a me dar urticária. A última crise foi tamanha que até me submeti a um teste, desses de revista, para aferir o meu grau de feminilidade. A pontuação ia de zero a 300. Aqueles com perfil masculino deveriam marcar até 150. De 180 em diante, estavam as legítimas filhas de Eva. Soma daqui, revisa dali, meu resultado foi 155.

Veja que cento e cinqüenta e cinco não é código pra traveco. E se fosse, não creio que eu causasse maiores fenômenos.  Diz o tal do teste que a zona cinzenta entre 151 e 179 indica quem tem a mente equilibrada entre os dois tipos de raciocínio, feminino e masculino. Ainda sob os efeitos da pressão mimimi, quase aceitei um tratamento de choque: pintaria meu quarto de rosa, iria trabalhar sempre de saia e saltinho, cortaria franjinha e passaria a ler Sidney Sheldon.

A menção a Sheldon foi absolutamente técnica, como minha mente racional e quase absolutamente masculina exige. Lembro de ter visto na internet uma pesquisa que dizia que mulheres que lêem romances românticos batem de longe as que preferem outros tipos de leitura no quesito relacionamentos – a rivalidade, afinal, também consiste nisso.

Eu tentei. Fui lá na livraria e peguei um título qualquer com uma mocinha em um vestido de época na capa. A reação do meu organismo foi violenta: quase o deixei cair no chão. As páginas transbordavam – acho que só uma desintoxicação poderosa pra me livrar da má influência – de coisas como “crepúsculo”, “lágrimas que rolavam pelo rosto”, e “ela sorriu lentamente”.

Combater o mimimi é de família. Ainda criança, minha avó, pessoa da maior seriedade, interrompia a leitura do evangelho para me lembrar que “muito riso, pouco siso”. Não preciso tomar juízo graças a ela e, talvez por isso, sinto falta de autenticidade na mimimi. Tem uma frase do poeta Vladimir Maiakovski perfeita: “Amar não é aceitar tudo; aliás, onde tudo é aceito, desconfio que há falta de amor”. Gente que não peida e que não tem opinião, desculpa, mas, não tem vez comigo.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Conselho de amigo


Apenas para o meu bem fui proibida de ouvir minha canção preferida. A recomendação do amigo, cheio de boas intenções, era que assim deixaria de me lembrar do meu ex amor. Contrariada, obedeci – já havia passado do ponto de recusar ajuda. Imediatamente, a voz sabotadora de Luíza Possi começou a tocar em minha cabeça em um "repeat" infinito.

Se entendesse de medicina poderia cogitar que fosse meu organismo rejeitando aquela ideia estranha. Lembrei-me de uma tia que no período adolescência acreditava que todas as músicas de Roberto Carlos haviam sido compostas para ela.

Minha mente travou naquela música. Não que eu tenha algo contra. O meu humor reage imediatamente bem aqueles versos (“Você me faz bem/ quando chega perto/ com esse seu sorriso aberto...) . 

Mas ele tinha razão. Há músicas que nos prendem. Ou que deixam um gosto na boca. De vodca, de beijo na testa, de sal de lágrima. 

Foi numa dessas que enterrei minha melhor dose de Joss Stone. 

Antes que eu tivesse uma recaída, tratei de instalar um antivírus. Toquinho. Sheryl Crow. Daniela Mercury. Green Day. Mombojó. Apocalyptica... E Diana Krall.

Loira, canadense, quarentona, cantora de jazz. Poderosa. Veio ao Brasil há pouco tempo... Guardem esse conselho pra vender depois: Diana Krall.

Os acordes de piano de “Just the way you are” são apenas meus. Sensuais, desconfio que já procuram alguém para que eu compartilhe a posse.

sábado, 27 de março de 2010

A palavra tem poder

O médico ouviu tudo o que ela tinha a dizer. Pra sermos fiéis aos fatos, ele leu tudo o que ela tinha a dizer. Imagine a cena: ela e o médico trocando bilhetinhos como na escola.

Não tinha voz. Primeiro foi a dor de garganta, depois a voz sumiu aos poucos e há dias que ela só conseguia assobiar, o que não conta porque assobio só passarinho entende.

Que não se preocupasse, aquilo era cada vez mais comum. Sabe, doenças psicossomáticas. Porque olhando, veja bem, não há nada de errado com a sua garganta, nenhuma inflamação e nada de errado nas cordas vocais também.

Mas, doutor, eu preciso voltar a falar - vários pontos de exclamação. 

Não, minha filha. Você precisa falar. Tem algo entalado aí que não vai liberar o resto. Está aqui essa guia para a acupuntura e esta outra para o psicólogo porque eu realmente não vejo nada que eu possa fazer.

Mas você disse que não tinha nada – mais pontos de exclamação.

O médico achou que só faltava ele ter que desenhar. “Tem palavras que ficam entupidas, você não fala e elas não deixam as outras sair. Claro que não consigo ver que palavras são, mas que elas estão aí, estão”. 

Já era o terceiro médico. Nenhum dos outros sabia o que podia ser. E agora essa! Ele queria o quê, que sua garganta viesse com legenda?

Voltou pra casa com as receitas, com a certeza de que sua mudez seria eterna. Palavras entaladas? Era demais. 

Não tinha nada entalado ali. Ela era vazia, completamente vazia e estava bem assim. Não tinha com que se entalar. 

O terapeuta pedia que ela falasse sobre qualquer coisa, sua semana, seus amigos, se gostava da voz. Aquilo não parecia levar a lugar algum. E ela enchia páginas. 

Você não está se esforçando, ele disse. O que quer que esteja aí não vai sair sem você forçar.

Então erraram o diagnóstico, é prisão de ventre! Valia uma nota na Science: “prisão de ventre também trava a língua”. 

Sua garganta inchava mais a cada dia. Que palavras seriam aquelas? Ela simplesmente não sabia. 

Houve uma noite. Esta noite ela só sabe que existiu porque é certo que acordou naquele dia e depois no dia seguinte. Mas do pôr do sol até o amanhecer havia um completo vácuo. Acordou na própria cama, despida, sozinha. Nada de estranho no quarto. Apenas o buraco na mente. Crescendo. 

Poderia ser um “boa noite, Cinderela”. O vestido preto estava jogado na cadeira ao lado da cama, tinha um pé de sandália na sala e outro embaixo do chuveiro. Um beck turbinado. Ou sua mente tentando protegê-la de algo ruim demais. Se fosse isso, por que sua garganta queria sabotar se vinha dando certo até agora? 

Isso hoje, amigo leitor, está sendo investigado, porque a paciente explodiu. E como ela imaginou, deu mesmo na Science, e no Times e na Folha e no Le Monde. As palavras saíram aos montes, estão espalhadas, quase invisíveis, por todo o quarto. O governo designou uma equipe da polícia científica e outra médica para tentar por ordem naquilo. Já dizia sua avó, cuidado com as palavras.
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