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terça-feira, 29 de setembro de 2015

A vaca do dia sou eu

Imagem: https://www.flickr.com/photos/petukhovanton/

Quinze minutos depois do tchau, percebi que fui absolutamente grossa com alguém. Alguém bacana, legal, que não tinha a menor ideia de porque eu estava sendo daquele jeito. Em minha defesa, se alguém interrompesse a cena naquele exato instante, eu também não saberia dizer. 
Quer dizer, o sujeito é um colega menos experiente e foi contratado, coisa que eu venho requerendo há um bom tempo naquela empresa. Sabe menos do que eu, em geral, e estava me explicando as mudanças mínimas que fariam diferença no meu expediente daquele dia.
Tá, tá, e a minha cabeça girando, por que ele e não eu que venho comendo grama amanhecida há tanto tempo. Porque, a minha mente responderia dez minutos depois, você estava em outra e não tem ideia de quando e porque isso foi definido. Não há culpados, só a vida que corre. 
Então, acontece que dessa vez eu fui a escrota com alguém. Tantas vezes alguém foi comigo e eu sempre avaliava que a pessoa devia estar com algum problema dela e eu virava saco de pancada apenas porque calhara de estar no lugar errado e na hora errada. Que a pessoa não era, necessariamente, uma escrota, poderia apenas estar sendo uma no momento.
Espero que, surja uma oportunidade de eu me desculpar com o sujeito. Mas perceber que eu fui uma escrota é melhor do que não ter percebido, do que passar a fazer as coisas no automático e adotar isso como modo de vida. Não significa que eu esteja me sentindo ótima e iluminada com esse insight, longe disso. Mas, pelo menos, resta a certeza de que não me perdi de todo.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Get Smart



Você não tem o direito de me chamar assim.  Nunca teve.

O nome de uma mulher é uma coisa importante. Todos os seus nomes. Inclusive o de guerra.

Todas lutam uma. Ou várias. Talvez façamos parte de um serviço secreto.

Um codinome para cada missão. Para cada contato.

Errar o meu nome, aquele que lhe cabe, foi fatal. Ele era a senha do nosso caso.

Agora ele se autodestruirá em cinco, quatro, três, dois, um.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Confissão

A terapeuta diz que minha implicância é ciúme, mas tenho o tempo a meu favor: sempre detestei meninas mimimi. Menina mimimi é aquela que é toda risadinha, que é uma delicadeza só, que criança não jogava bola pra não mostrar a calcinha, fica vermelha se ouve palavrão e é incapaz de pensar por si mesma. É uma fraude. E como faz sucesso.



Chega até a me dar urticária. A última crise foi tamanha que até me submeti a um teste, desses de revista, para aferir o meu grau de feminilidade. A pontuação ia de zero a 300. Aqueles com perfil masculino deveriam marcar até 150. De 180 em diante, estavam as legítimas filhas de Eva. Soma daqui, revisa dali, meu resultado foi 155.

Veja que cento e cinqüenta e cinco não é código pra traveco. E se fosse, não creio que eu causasse maiores fenômenos.  Diz o tal do teste que a zona cinzenta entre 151 e 179 indica quem tem a mente equilibrada entre os dois tipos de raciocínio, feminino e masculino. Ainda sob os efeitos da pressão mimimi, quase aceitei um tratamento de choque: pintaria meu quarto de rosa, iria trabalhar sempre de saia e saltinho, cortaria franjinha e passaria a ler Sidney Sheldon.

A menção a Sheldon foi absolutamente técnica, como minha mente racional e quase absolutamente masculina exige. Lembro de ter visto na internet uma pesquisa que dizia que mulheres que lêem romances românticos batem de longe as que preferem outros tipos de leitura no quesito relacionamentos – a rivalidade, afinal, também consiste nisso.

Eu tentei. Fui lá na livraria e peguei um título qualquer com uma mocinha em um vestido de época na capa. A reação do meu organismo foi violenta: quase o deixei cair no chão. As páginas transbordavam – acho que só uma desintoxicação poderosa pra me livrar da má influência – de coisas como “crepúsculo”, “lágrimas que rolavam pelo rosto”, e “ela sorriu lentamente”.

Combater o mimimi é de família. Ainda criança, minha avó, pessoa da maior seriedade, interrompia a leitura do evangelho para me lembrar que “muito riso, pouco siso”. Não preciso tomar juízo graças a ela e, talvez por isso, sinto falta de autenticidade na mimimi. Tem uma frase do poeta Vladimir Maiakovski perfeita: “Amar não é aceitar tudo; aliás, onde tudo é aceito, desconfio que há falta de amor”. Gente que não peida e que não tem opinião, desculpa, mas, não tem vez comigo.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Insônia da esquerda


Estou cansada demais para que meu cérebro articule tanta informação ou cogite abrir meu outro olho. É noite. Ouço vozes, tem um pouco de luz no quarto. A cama vazia ao meu lado. Desisto e durmo. Chico passou horas em claro de novo, sentado na beira da cama, vendo alguma reprise na tv. Irritado, mas sem querer me acordar.  

Pedi que fizesse acupuntura, mas ele tem medo de agulha. De acupuntura. Não quer tentar nem as sementes. Ofereci remédios, mas ele acha que nada que não tenha tarja preta funcione. Pensei que poderia ser a academia que ele faz à noite. Mas era culpa burguesa.

Tem uns pesquisadores da Universidade John F. Kennedy (EUA) que aferiram que pessoas da esquerda dormem menos, de forma pior e com sonhos bizarros de bônus, coisas como mortos-vivos e transas selvagens. Estava tudo explicado.

Eu poderia jurar que o Chico votava no Democratas desde bebê. Talvez vote mesmo mas, no fundo, queria votar na Dilma. Aqueles terninhos de gola chinesa que ela usou nos debates o seduziram. Socialismo de mercado. Crescimento asiático. Jamais teria saído com ele se soubesse desse lance esquerdista.

Todas aquelas discussões, ele tão enfático sobre a natureza criminosa do MST, a corrupção endêmica no governo federal, a falta de um verdadeiro capitão Nascimento para limpar as favelas, o voto de cabresto que é o Bolsa-família.

Minha família é de esquerda. Meu pai é metalúrgico. Votamos tantas vezes no Lula, que acabamos colocando ele lá. Dormi no ponto. No ponto, no ônibus, na cama. Durmo praticamente em qualquer lugar. Nada me faz perder o sono, na verdade. Eu sou de direita?

Geralmente, digo social-democrata. E não me venha com esse sorrisinho na cara. O que está em jogo aqui é que sou uma mulher que precisa e acredita na alternância de poder. Mas com os de direita, sonhando com a esquerda, não sei. Perco a fé no meu próprio governo.

Para quem quiser conferir a insônia da esquerda, clique aqui.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Enrolada

Gisele não usa meias brancas. Nem sapatos pretos, exceto se forem de verniz. Lustrosos como maçã do amor. As vendedoras de calçados já viram muito, mas não tudo. E isso, meias mais sapatos, as chocavam no mais íntimo do ser.

Era inverno, então ela abusava das meias colegiais, coloridas, sempre. Por fora, era o signo da executiva. Calça cinza. Terninho bem cortado. Pasta preta. Mochila com notebook. All-star branco no metrô. Sapatos toc-toc no escritório.

Os sapatos nunca pretos eram uma excentricidade que passava desapercebida pela corporação. Até porque ela os compensava com modelos azuis, prata, chumbo, cor de whisky, de caramelo, beijinho e coco queimado.

Mas as meias, se reveladas, contariam outra história. A cor era de um laranja hare krishna. Indiano também era o padrão da estampa, com azul, marrom, tons de verde. Nada a dever para a figurinista de Caminho das Índias. Na prática, ela vive uma novela que já terminou.

Gisele argumentaria que foi ela quem lançou tendência, pois comprou o par antes de Glória Peres redescobrir as Índias. Na verdade, adquiriu as peças em uma viagem à tradicional Campos do Jordão. Pior, é apegada ao passado.

Ou é hippie. As meias denunciam que ela medita nas horas vagas. Lê livros de sexo tântrico. Pode, por Deus, até praticá-lo! Se louva a Krishna, tem tendência a torturar sua futura nora durante o preparo do chai. Se não for nada disso, então, é uma imatura, se recusa a crescer, pois não está a imitar aquela garota de óculos do Scooby-Doo?

A mãe de seu futuro namorado anotará as meias que ela usar. Ficará atenta toda vez que Gisele cruzar as pernas para, na subida inevitável do tecido da calça, flagrar o delito futuro. Sogra brasileira é versada em najas pseudonacionais.

Todo o seu mundo acabaria. Por apenas duas meias. Meias pacíficas, apolíticas – o Buda também vestia laranja. Meia sem dinheiro. Sem chaminé. Estaria acabada se descobrissem suas meias. Ao mesmo tempo, não podia livrar-se delas. Eis o que pode se tornar um dilema shakesperiano na vida de uma mulher de vinte e pouco anos.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Condenado no batismo


Olívia mantém um blog. Nele escreve cartas abertas. À mãe. Aos irmãos. Aos amigos e amores. Aqui republico uma que, de tão singular em sua franqueza, achei que merecia ser compartilhada. Nela, Olívia explica como o Gabriel se queimou com ela. Antes mesmo de saber articular qualquer palavra.


 “Oi, querido,

Tudo bom?

Você tem me ligado em casa e no celular, deixado recados no meu facebook ... E eu tenho agradecido sempre tanta gentileza. É tudo muito fofo, mesmo. Mas preciso lhe falar a verdade: não pode haver nada entre nós. 

Sei que você ainda não me propôs coisa alguma. Apenas tem me convidado para ir tomar uma cerveja, ou ao cinema, programas que eu poderia encarar como algo normal  entre amigos. Mas, eu estaria me fazendo de boba.

É que não posso ter nada com alguém com o seu nome. Tenho uma certa dificuldade com caras  com nomes iniciados com a letra “G”. Você seria o terceiro Gabriel na minha lista, então, não.

Meus piores traumas vieram de gente com nome dessa letra, acho que a vida poderia ter ficado só na tia Giselda, do primário, que me puxava os cabelos quando eu errava na tabuada. Mas, piorou de maneira exponencial com vocês, homens. 

Gilberto queria sexo sem nota. Cria do Serra que sou não dava para abrir mão da nota paulista. Guilherme não sabia beijar, não aprendeu nem com aula extra. Gustavo roubava minhas lingeries para vestir – descobri quando uma amiga me enviou as fotos ‘sensuais’  do perfil ‘b’ dele no facebook. 

Terminou tudo bem entre mim e o primeiro Gabriel. Achei que a maldição do G era coisa da minha cabeça ou que tinha enfim acabado. Até que ele me viu com o segundo Gabriel e o roubou na maior cara larga.  Então, posso lhe passar o telefone do casal de Gabriéis e assim poupamos tempo. 

É uma pena, se você se chamasse Bernardo, em vez de Gabriel, estaria tudo bem. O alfabeto é grande e não há ninguém com B na minha lista.

Sinto muito,

 Um abraço,
Olívia

Ps. Aviso que não vou mudar de idéia, desta vez nem Shakeaspeare me dobra, grande hipócrita! (“Se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume” – William Shakespeare)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Transformação


Aos 18 anos nem esperou a convocação do Tio Sam e se alistou no Exército. Cumpriu dois anos no Afeganistão. Não voltou para casa. Ainda não. Pegou um navio para correr o mundo, desembarcou por aqui. Numa sexta-feira de julho, ele estava no trem a caminho da Luz, em São Paulo.

Tinha os olhos muito verdes e o cabelo loiro ainda no estilo soldado, meio oculto sob uma touca, sua branquelice chamava a atenção. Tanto quanto o agasalho camuflado e a mochila de guerra, enorme até mesmo para os padrões daquela linha do fim do mundo ao Centro Antigo.  Ia em pé. Firme no chacoalha chacoalha da velha lataria.

Sentada em um dos bancos, viajava uma mulher morena de seus trinta anos. No frio paulistano, protegia-se com um casaco preto, blusa cinza e cachecol. Comum. Abriu a bolsa. Espelhinho em punho. Sacou a base. Líquida, rapidamente foi absorvida pela pele.

A atenção do soldado, então, desviou-se da paisagem (quilômetros de trilhos e prédios pichados à esquerda e à direita) para ela. O blush foi aplicado com leves toques do pincel. Um delicado tom róseo tornou-se perceptível nas maçãs do rosto. No soldado, a sobrancelha direita erguida sugeria alguma movimentação interior.

Em seguida um pequeno bastão, semelhante a um batom, foi aplicado nas pálpebras superiores. O lápis definiu um traço sutil junto aos cílios, para em seguida ser sublinhado por mais um pincel, desta vez com sombra discretamente colorida. Por fim o rímel, em várias passadas, ergueu os cílios.

Ele nem piscava. Não notou que assim destoava ainda mais dos outros passageiros, mas não teria se importado mesmo que percebesse. Ela renascia ali. Era uma mulher totalmente nova, insuspeita no ambiente semi-escuro. Bela. Estava fascinado, jamais havia assistido a alguém se produzindo.

O banco entre o soldado e a mulher vagou. Como ninguém se manifestasse, ele o ocupou. Ajeitou a touca. Abriu a mochila. Pegou um estojinho azul claro. Continha maquiagem. Tinha prestado atenção, com certeza agora conseguiria fazer sozinho.
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