terça-feira, 24 de agosto de 2010

Verso e costas


Bento colocou uma placa na entrada do estúdio: “Não tatuo nome de mulher – exceção apenas para nomes de mãe e filhas”. Queria assim se ver livre de publicar a ilusão ou a inocência alheias. Ainda assim, a corrupção o espreitava. Não ligava se a moça estivesse presente. Se fosse bonita ou já estivesse morta. Não, não e não. É preciso um mínimo de ética nesse meio. Até que apareceu um fulano. Não queria nome de mulher. Foi justamente por isso que escolheu o estúdio, explicou. “Põe aí, em letra bonita: ‘Amor, só de mãe’ aqui nas costas”.



Era miúdo, careca e via-se que andara malhando para ganhar corpo. “Amor, só de mãe”... Lamentou não ter pensado naquela exceção. Quando criou a placa tinha acabado de tatuar um manezinho que lhe pedira para escrever “Francilangela” em estilo gótico nas costas. O cara curtia vampiros. Ou era emo. Bento não sabe a diferença. Queria impressionar a namorada que ia ser modelo em São Paulo.  Bento aposta que essa nunca mais voltou à terra. Pra não dizer que mudou de nome também.

Houve um outro cara que ele recusou. Queria tatuar “Eu sou muito foda”. Nas costas, claro. Porra, ele era tatuador, não publicitário. Não fazia anúncio de idiota. Quase mudou de ideia quando pensou que na verdade seria um ato altruísta, quase um serviço público. Seria como uma faixa indicando um caminho alternativo para o motorista: evite cara mala, tente o da esquerda.

Era tatuador, porra. Não terapeuta. Mas pelos negócios não podia deixar alguém sair de lá com aquilo. “Legal, né? Foi o Bento que fez”. Que merda, era só no que conseguia pensar com o sujeito ali. Agora, o cara é um fracassado que não pega ninguém e acha bonito contar pra todo mundo? Vai ver era algum tipo de experiência catártica. Cara, estava mesmo virando terapeuta, pensou.

Ligou o botão do “foda-se” e ia fazer o “Amor só de mãe”. Daí a consciência fez mais peso. “Olha cara, nas costas não faço, falou? Se quiser, vai no braço”. O cara ficou satisfeito, “Entendeu! No frio vai ser só andar com a manga dobrada pra galera ver”. Que mãe mereceria mais a tatuagem do que aquela?

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