terça-feira, 21 de setembro de 2010

No forno


O ciúme estava muito líquido, como a massa do bolo. Desconfiou que devesse pôr mais farinha, mas era a primeira vez que fazia aquela receita. Teria que recalibrar tudo: ovos, açúcar, suco de laranja. Se mudar agora, como vai saber como deveria ser o bolo? Fofo é que não deve ser. “Deixa, vou pôr no forno mesmo assim”.



Ele foi esquentando, esquentando, até sair como vapor. Pelos poros. Depois pelos olhos. Tanta pressão a inspirou a cozinhar, ainda que fosse naquela cozinha alheia. Algo suave. Doce. E que ninguém tivesse feito antes.

Era de casa, mas mal sabia onde ficavam as coisas. Sentia falta da própria cozinha, com sua lógica orgânica. Sorvete no freezer, creme de leite na despensa e o caderno de receitas na segunda gaveta da pia.

Isso estava superado. O importante agora era que o bolo finalmente ficasse dourado. Nada mais quieto que um bolo no forno. Adivinha-o borbulhando sob a fina crosta. Ninguém cozinharia para Marcos impunemente. Um dia era uma torta, no seguinte oferecia um bombocado... Decidiu que não haveria para a outra o dia do bem-casado.

Meia hora havia se passado e o bolo continuava branco. Sem cheiro. Voltou ao computador atrás de outra receita. Quem sabe algo mais afrodisíaco. Triste seria jogar toda uma receita fora.

Doce e ácido, o perfume foi se intensificando até penetrar o quarto. Ela ainda esperou mais alguns minutos antes de desligar o forno. Preferiu deixá-lo no calor enquanto preparava a calda. Espremeu o suco de uma laranja e adoçou. Ficaria bem molhadinho. Não havia nascido ainda mulher capaz de roubar um homem pela barriga de uma legítima Teixeira.

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