Devia ir embora de Parati, mas não tenho vontade. Por que não ficar? Fiquei. Cidade linda. Uns caiçaras musculosos de pé no chão. Tem um povo bonito chegando o tempo todo. Uns italianos bronzeados com a barba por fazer, tipo o melhor do mau caminho. Jesus usa Gilette Mach 3. Mas se eles forem mesmo o mau caminho, ok, monto minha barraquinha na beira da estrada.
Encontrei uma boa conexão wireless. Só consegui do lado de fora da pousada, é inverno e já é quase meia-noite. Sentei na namoradeira sob a jabuticabeira.
“Oi, Alice,
Tudo bom?
Por aqui não poderia estar melhor. Não volto. Não insista.
Escrevo para colocar você a par das miudezas do lar. Parece até que eu sabia, deixei tudo no jeito. Contas pagas na gaveta abaixo, entre os ossos da vovó e o tio Alfredo. Às vezes eu ainda me assusto. Mas é simples, não tem erro.
Beijos daquela que será sempre sua”
Vento sudoeste trazendo um friozinho. Esse tempo não se acha fora daqui. Úmido e escuro como sempre quis. Não resisti e respirei o mais fundo que pude. Não tinha medo de engasgar. No que eu abri a boca para aspirar o ar, algo viscoso desceu goela abaixo. É questão de acostumar, né? Aqui meleca é coisa normal.
* Esta crônica foi escrita durante a oficina de crônicas Tanta Ternura, ministrada pelo escritor Fabrício Carpinejar. No exercício deveríamos compor uma redação a patir de sete frases pré-determinadas. Quem adivinhar leva um doce ;~)
Carta do editor - Não é o fim
Há 9 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário