terça-feira, 1 de junho de 2010

Mudança

Devia ir embora de Parati, mas não tenho vontade. Por que não ficar? Fiquei. Cidade linda. Uns caiçaras musculosos de pé no chão. Tem um povo bonito chegando o tempo todo. Uns italianos bronzeados com a barba por fazer, tipo o melhor do mau caminho. Jesus usa Gilette Mach 3. Mas se eles forem mesmo o mau caminho, ok, monto minha barraquinha na beira da estrada.


Encontrei uma boa conexão wireless. Só consegui do lado de fora da pousada, é inverno e já é quase meia-noite. Sentei na namoradeira sob a jabuticabeira.


“Oi, Alice,


Tudo bom?


Por aqui não poderia estar melhor. Não volto. Não insista.


Escrevo para colocar você a par das miudezas do lar. Parece até que eu sabia, deixei tudo no jeito. Contas pagas na gaveta abaixo, entre os ossos da vovó e o tio Alfredo. Às vezes eu ainda me assusto. Mas é simples, não tem erro.


Beijos daquela que será sempre sua”


Vento sudoeste trazendo um friozinho. Esse tempo não se acha fora daqui. Úmido e escuro como sempre quis. Não resisti e respirei o mais fundo que pude. Não tinha medo de engasgar. No que eu abri a boca para aspirar o ar, algo viscoso desceu goela abaixo. É questão de acostumar, né? Aqui meleca é coisa normal.

* Esta crônica foi escrita durante a oficina de crônicas Tanta Ternura, ministrada pelo escritor Fabrício Carpinejar. No exercício deveríamos compor uma redação a patir de sete frases pré-determinadas.  Quem adivinhar leva um doce ;~)

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